Pedaço de Mim: Veja os desafios da caracterização dos personagens
Por Luigi Civalli - 16/07/24 às 18:31
A tradição das novelas no Brasil sempre foi dominada pela Globo, mas outras plataformas, como a Netflix, estão entrando nesse universo. Em 5 de julho, a Netflix lançou “Pedaço de Mim”, um melodrama brasileiro que se assemelha a uma mininovela com seus 17 capítulos e enredos cativantes.
Uma História de Amor e Complicações
O enredo de “Pedaço de Mim” gira em torno de Liana (Juliana Paes), uma terapeuta ocupacional de sucesso, casada com Tomás (Vladimir Brichta), um advogado. O desejo de Liana de ser mãe gera uma grande ansiedade, levando-a a tomar estimulantes para ovular. No entanto, a descoberta de uma traição seguida por um incidente durante uma separação temporária muda o curso de sua vida.
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Após uma noite na boate, Liana sofre uma relação sexual não consentida, resultando em uma superfecundação heteroparental – um fenômeno raro onde dois óvulos são fertilizados por homens diferentes no mesmo ciclo. Assim, um dos bebês é filho de Tomás e o outro de Oscar (Felipe Abib), irmão de Débora (Martha Nowill), melhor amiga e sócia de Liana.
Além da trama principal, a série desenvolve outros núcleos e histórias paralelas que mantêm o público preso a cada episódio, com ganchos impactantes que são típicos das novelas tradicionais.
‘Pedaço de Mim’ conquista o público e crava liderança na Netflix
A história tem diversas passagens de tempo e, com isso, a maquiagem e a equipe de caracterização precisa trabalhar bastante para que o resultado fique perfeito. Marcos Freire, que é o caracterizador da série, contou os principais desafios no projeto.
Entrevista
MARCOS FREIRE: Eu pensei na Liana [Juliana Paes] como criança, como jovem, como adulta. De onde ela vinha, que educação ela teve, qual a sua cultura, qual o seu signo. A Liana é de um signo de terra, muito ligada à família – tanto que tem esse trauma de ter perdido o irmão e ser culpada pela mãe.
Sugeri para a Juliana, e ela ficou muito surpresa e feliz, de trazer o cabelo cacheado dela para a série. Nunca tinha visto ela assim antes. Sou daquela filosofia de que o personagem procura o ator. Pensamos e testamos tantas pessoas, e se a Liana acabou nas mãos da Juliana, foi porque ela tem um pouco da característica do biotipo da personagem. E eu queria trazer este cabelo. Cortar o cabelo dela fez com que a gente ganhasse tempo, porque a personagem não é de montação, ela é natural. E eu trouxe essa naturalidade para o camarim. No meu histórico de filmografia não tem essa história de camarins de três ou quatro horas, a gente tenta ser muito prático, trazendo muito do personagem no artista. Apesar da passagem de tempo, as mudanças da Liana são feitas com um ar muito natural. Então, toda essa história da Liana trouxe uma solução feliz para as câmeras.
Qual traço da personalidade da Liana te ajudou na definição da caracterização da personagem?
MARCOS: A timidez da Liana, que só foi quebrada na terceira fase da série, me fez pensar em que mulher era aquela. É alguém que não usa maquiagem – eu trabalho um termo que chamo de diegético: por mais que tenha havido intervenção humana para o artístico, não apareça nada. Então, a Liana é cheia de coisa que não aparece, não aparecer é a força da personagem.
E quais traços de personalidades do Tomás e Oscar ajudaram nas caracterizações?
MARCOS: O Oscar [Felipe Abib] tem um ar mais rock, uma liberdade. Já o Tomás [Vladimir Brichta] é um estudioso, que tem uma liberdade muito para dentro – de querer brilhar, de querer ser um excelente advogado. Isso vem de um conservadorismo quebrado – por exemplo, ele descobre que a mulher foi estuprada, sabe que é estupro, e mesmo assim não dá força para ela. Tudo o que ele faz é por moralidade.
O Oscar tem algo de criança rebelde, fez algo que lhe deu uma pequena cicatriz de criança. Ele é mais sol, joga o cabelo para sair e adora dirigir moto sem capacete. Enquanto isso, o Tomás tem uma pele mais de protetor solar. É um garoto de boas escolas, de apartamento. Ele é outono, inverno. Tem uma pele mais fria, cabelo mais arrumado no espelho. Os dois são extremos: enquanto um é de fumar um baseado no Arpoador, o outro é de estar com os livros estudando.
Caracterização
Qual a importância da caracterização para a produção?
MARCOS: Para mim, cabelo e maquiagem falam. Ambos têm uma importância muito grande na composição do personagem. Na caracterização do personagem, eu trago coisas da vida. O Abib balança o cabelo, ele é solar, como se estivesse com uma prancha de surfe. Já o Vladimir põe o
cabelo atrás da orelha, deixa certinho. Eu preparo o ator na frente do espelho e digo: “dê o toque final de acordo com o que conversamos”. A gente monta o personagem junto, na conversa, para depois montar no espelho. Essa montagem em conjunto faz com que eu traga elementos e toques de mãos dos atores para que eles consigam se remontar sem precisar parar a câmera. Eu crio personagens com inteligência e emocional para que os atores consigam seguir sozinhos.
Quais são as principais mudanças estéticas da Liana em relação às três fases da história?
MARCOS: Eu levei em consideração a passagem do tempo com o natural. O tempo não passa tão rápido para uma pele que é cuidada, como a da Liana, que é uma terapeuta ocupacional e tem uma cunhada médica. Então, ela não teria uma pele envelhecida. O espectador vai perceber claramente pelo cabelo da personagem e a textura da pele, das rugas, que tem um envelhecimento bem natural. Eu não queria fazer maduras tristes, nunca quis trazer tristeza para essa série. Quis trazer superação, um processo reflexivo.
Quais são as principais mudanças estéticas do Tomás em relação às três fases da história?
MARCOS: Na primeira fase, o Tomás tem o cabelo muito ao vento, ele é mais primavera. Já na segunda, ele é um advogado que está mais forte, estabelecido, então tem o cabelo mais na pomada, montado. Na terceira parte, ele está careca. Nós aproveitamos a terceira fase para deixá-lo com menos cabelo, envelhecendo. O tempo passou para o Tomás na prisão, foram muitos anos presos – então, ele ficou muito marcado, com a pele envelhecida.
Como foi manter a contemporaneidade em uma história que se passa em fases e começa nos anos 2000?
MARCOS: Trouxemos características dos anos 1990 para os anos 2000. Na fase de 2006, o tipo de cabelo dos anos 1990 estava em alta – era mais liso, com a pontinha penteada. As maquiagens também eram referência aos anos 1990, com nada muito marcado e mais esfumado. Já na fase de 2016, temos um comecinho de liberdade. E em 2023 toda a liberdade de fato – mostramos muito isso no núcleo estudantil.
Qual foi o seu maior desafio na parte estética?
MARCOS: A pele. Marcar o envelhecimento e colocar brilho, luminosidade, no rejuvenescimento. As manchinhas na pele, uma ruga ou outra. Rejuvenescemos os atores para a primeira fase, em 2006, mas fomos para 2016 envelhecendo eles com rugas, com menos cabelo, com outra cor de cabelo, com perucas. O bluebird [produto de maquiagem] ajudou em todo esse processo, com a base da maquiagem, mas a perucaria também.
Você tem alguma curiosidade sobre a caracterização da Débora?
MARCOS: A Débora [Martha Nowill] tem uma virada muito forte na história. Ela sempre segurou o irmão, Oscar, na família. Então trouxe para ela uma fidelidade do sexo feminino, tenho experiência em compor meus personagens estudando os traumas que essas pessoas têm. E as mulheres são muito fiéis.
Na primeira fase, o cabelo da Débora é muito escovado, a maquiagem marcada. A cor dela é a púrpura, ela quer chamar atenção até no batom e com um perfume adocicado. Na segunda fase, o cabelo não é mais tão escovado, mas tem um cuidado especial. O púrpura vira médio e vai se esfumando – com menos maquiagem. Na terceira parte, ela tem um cabelo longo e livre, passou um tempo fora, viajou e a maquiagem não fica mais pesada. Ela volta mais livre, mais coração.
Formado desde 2010, já passou pelas editorias de esporte e entretenimento em outros veículos do país e atualmente está no OFuxico. Produz matérias, reportagens, coberturas de eventos, apresenta lives e ainda faz vídeos curtos para as redes sociais