KING Saints fala sobre álbum, ancestralidade e racismo estrutural

Por - 03/10/24 às 14:48

KingKing Saints (Foto: Porto)

KING Saints é um nome que está na cena musical há muitos anos, ou melhor, por 12 anos ela esteve no ‘lado B do Pop’, que é justamente a composição de faixas para outros artistas talentosos, como IZA e Luísa Sonza. Recentemente indicado ao Grammy Latino por suas composições no álbum “Afrodhit” e como intérprete, já que participa de “Bombasstic” no álbum da mãe de Nala, a ‘dona da voz e da caneta’, como gosta de descrever seu dom, lançou seu primeiro álbum.

O “Se Eu Fosse Uma Garota Branca” chegou ao mundo em 26 de setembro e aborda, com muito humor ácido, críticas direcionadas ao racismo estrutural na sociedade. Antes disto, ela também virou Global com sua música “Toda Família” na novela “Família É Tudo”, do horário das 19h.

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KING Saints contou ao OFuxico tudo sobre sua primeira era, as inspirações, como a ancestralidade está presente em diversos momentos e ‘deu seu papo’ quanto a assuntos mais do que urgentes.

Solta o som!

OFuxico (OF): Seu álbum vem com tudo e cutuca as estruturas raciais da sociedade. Qual foi o gatilho que te levou a escrever o “Se Eu Fosse Uma Garota Branca”?

King Saints (KS): Ele vem muito da vivência, mas é uma vivência só minha, de vivências das pessoas que me circundam, desde a história da minha avó, minhas tias, minhas primas, minhas vizinhas, em sua maioria mulheres não brancas, que sempre batalharam, acordaram cedo, foram trabalhar, cuidaram, criaram seus filhos. Ainda assim, não foram recompensadas, né? Digo, na vida. E aí a gente tem desde figuras que são mais particulares, né? Para mim, pessoas que estão mais próximas da minha vida. Mas, quando a gente olha também para um lugar mais abrangente, de pessoas famosas mesmo, que levaram uma vida inteira para serem legitimadas e que jamais desfrutaram do quanto contribuíram para a sociedade. Então, o gatilho desse álbum vem disso: ser uma garota branca não significaria necessariamente que minha vida seria melhor, mas definitivamente eu não teria que lidar com inúmeras questões. E aí, então, essa música fala um pouco disso e muito sobre racismo estrutural, também sobre essa pauta que, por pouco, não acaba sendo banalizada, né? Mas ela, na verdade, é o que nos molda enquanto sociedade, né? Infelizmente, está enraizada, por isso é estrutural. Então, nessa música eu vou narrando várias queixas, várias questões sobre privilégio branco, o quanto o corpo branco é privilegiado dentro da nossa sociedade, independentemente da classe social, né? Uns mais, outros menos, mas sempre existindo esse impacto da branquitude.

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OF: Uma das faixas conta com a participação da amada ‘Mamacita’, a Karol Conká. Como nasceu esse feat de peso entre vocês?

KS: A Karol, para mim, é um ícone. A gente já tinha trabalhado junto em outro projeto, que era o projeto da Cleo, como uma das compositoras dessa faixa em que trabalhei no “Dark Pop”. Aí a gente se encontrou pessoalmente, se não me engano, no aniversário da Cleo, e trocamos uma super ideia. Eu falei: ‘poxa, a gente trabalhou junto na música, tal’, e ela: ‘caramba, eu tinha recebido a faixa, gostei muito, que loucura!’. (…) Então, a gente marcou o estúdio depois e criamos a música. É uma composição minha e da Mc Taya também, uma compositora e artista incrível. Então foi tipo um trabalho de três negras maravilhosas pensando em como a gente vai flertar na balada.

Ouça o primeiro álbum de King Saints!

Por trás da caneta

OF: Você se denomina ‘o Lado B do Pop’: como é ser requisitada para ajudar nas composições e equilibrar isto com a sua própria arte?

KS: Vejo muita composição das outras pessoas. Eu vejo como algo que posso agregar, mas que também é um estudo, sabe? Estou ali para trazer pontos que podem se desenvolver. São vários projetos. Tem projetos que surgem a partir do sentimento que o artista está vivenciando. Então, a gente troca ideia com aquele artista para poder transformar isso em música. Ou podemos vir com um briefing de uma equipe de marketing, né? Então, sempre temos um ponto de partida, ainda que ele seja criado dentro de uma conversa. Nos trabalhos em que participei, as pessoas também eram compositoras da música, o que torna tudo mais palatável para o artista e nos ajuda a ser mais assertivos, né? Assim, conseguimos acertar na ideia do artista e de toda a equipe que está pensando nos projetos. Esse processo vem dessa demanda, mas é mais livre quando estou compondo para mim, porque não tem essa cobrança, né? É muito mais sobre a minha perspectiva, e trabalhamos a partir disso, o que torna o processo mais livre. Mas eu amo fazer ambos, porque fico muito feliz em colaborar positivamente no trabalho das pessoas. Realmente, é algo que gosto de fazer.

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King Saints em "Se Eu Fosse Uma Garota Branca" (Reprodução/Maicon Douglas)
King Saints (Reprodução/ Maurício Siqueira)

OF: Você está na lista dos indicados ao Grammy Latino com trabalhos ao lado da Sonza e da IZA. Conta tudo sobre isso e qual sua expectativa para se tornar uma Grammy Winner?!

KS: Muito feliz. Eu já tinha contribuído no “Doce 22” como compositora de duas faixas (“Anaconda” e “V.I.P.”), e o álbum foi indicado ao Grammy Latino como melhor álbum pop. Isso já é muito significativo, né? Diretamente de Duque de Caxias e agora no Grammy! E agora, mais uma vez, também na categoria pop, com o “AFRODHIT”, no qual colaborei um pouco mais, né? Participei de 11 faixas e também fiz um feat (“BOMBASSTIC”). É minha primeira indicação ao Grammy como intérprete, então fico muito feliz. Foi um time de mulheres incríveis fazendo esse projeto! Acho que, independentemente de tudo, estamos ali sendo indicadas e sabendo que é um projeto coletivo. Ninguém chega a lugar nenhum sozinho. O importante sempre é reafirmar o poder da coletividade.

King
King Saints para “Se Prepara Mona” (Foto: Porto)

Representatividade e ancestralidade

OF: Hoje em dia a gente enxerga uma mudança de rotas em relação ao protagonismo preto, tanto na música quanto na televisão. Como você enxerga esse movimento?

KS: Eu acho que isso é o resultado de muito trabalho, de muitas pessoas que vieram antes e construíram esse espaço para que agora, a duras penas, consigamos ocupar alguns lugares. Porque está longe de ser igual ou equiparado, né? Estamos falando de, sei lá, mais de 130 anos sem reparação pós-escravatura. Gente, não tem como isso não causar um efeito borboleta no que vivemos hoje. Então, para um dia podermos olhar e dizer: ‘nossa, agora realmente estamos falando de igualdade de espaço’, ainda há muito progresso a ser feito para reduzir todos esses anos de negligência. Mas nada disso foi dado, né? Tudo foi muito batalhado. Acho que é muito importante sinalizar quem foram as pessoas que lutaram para que hoje possamos falar sobre tudo isso ou ter espaços para discutir tanto, né? Elza Soares, Zezé Motta, Negra Li, e todas essas mulheres que vieram antes, que são muitas. Alcione, Tati Quebra Barraco, Carolina de Jesus, Marielle Franco… São muitas pessoas que lutaram para que hoje possamos ligar a TV e ver pessoas negras em papéis de destaque, abrir uma revista e ver modelos negras, ir à farmácia e ver produtos para nós, entrar em uma empresa de cosméticos e encontrar maquiagem para os mais diversos tons de pele negra. Então, é um trabalho que é resultado de muitos outros. E nós continuaremos plantando muito. Eventualmente, não receberemos o equivalente, mas ainda assim entendemos, intrinsecamente ou explicitamente, que estamos fazendo um trabalho para que os próximos tenham condições melhores, e esse é o ciclo.

O primeiro de muitos!

OF: A faixa título traz uma King muito ácida e necessária, cutucando exatamente o privilégio branco. Conta como foi esse processo e como rolou esse brainstorm para nascer a música e o clipe!

KS: Eu tinha essa frase (“Se Eu Fosse Uma Garota Branca”) na cabeça. Tem frases que anoto e penso: depois vou criar uma música sobre isso, e essa foi uma dessas ideias. Cheguei a chamar algumas pessoas para tentar desenvolver, mas falei: “Cara, eu não sei. Essa música eu preciso fazer sozinha. Sinto essa letra.” Então, falei para os Los Brasileiros (produtores da faixa e do álbum): “Nossa, cara, quero muito fazer essa música. Vamos fazer, vamos!” Aí pensei que teria que ser uma produção bem palatável, sabe? Trouxe um pouco de humor ácido, e logo pensamos em “Smile”, da Lily Allen, e “Blank Space”, da Taylor Swift. Dentro dessas harmonias e produções que os meninos criaram, fui desenvolvendo a letra. Quis abordar muito esse lugar do privilégio branco mesmo. Tem várias nuances desses privilégios que constroem, no caso, o racismo estrutural, né? Que é quando um grupo tem privilégio sobre outro, que é distanciado disso dentro de uma estrutura. Eis que temos o racismo estrutural.

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OF: Você dedica esse álbum para sua ancestralidade, para o futuro e para o presente. Quero deixar o espaço aberto para você falar tudo sobre esse assunto. Conta tudo!

KS: Eu acho que, nesta vida, o que aprendi é que a gente batalha muito, luta muito, resiste muito. Esse discurso de “Ah, quanto mais você batalha, mais você consegue, e você está dormindo enquanto os outros estão trabalhando” é uma falácia. Eu cresci rodeada de pessoas que acordavam às 5 da manhã e voltavam às 11 da noite para casa, e, ainda assim, não tinham um terreno em Ipanema, sabe? Nem na Tijuca, nem em Madureira, nem em Duque de Caxias. Então, definitivamente, isso não é uma realidade, mas isso não quer dizer que as pessoas não tenham fé. A gente encontra força em uma comunidade, porque eu jamais chegaria a lugar nenhum se não tivesse toda uma comunidade acreditando no meu trabalho. Um grupo de pessoas acreditando incessantemente que esse trabalho faz sentido, que elas se sentem representadas, que estão contribuindo, e que a gente vai chegar lá juntas, sabe? Essa linha é muito tênue, e meritocracia não existe. Mas isso também não significa que a gente vai ficar parado. Significa apenas que estamos nos movendo em direção a algo maior, sem precedentes. A gente vai se esforçar da mesma forma, mesmo que estejamos fazendo exatamente o que eles esperavam que fizéssemos. Então, acho que vale a pena passar por esta vida colocando nossa energia naquilo em que acreditamos.

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King Saints em “Se Prepara Mona”

Em formação no Jornalismo pela UMESP. Escreve sobre cultura pop, filmes, games, música, eventos e reality shows. Me encontre por aí nas redes: @eumuriloorocha