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Luís Miranda: ‘Não quero ser um ator de papel limitado’

Priscila Prade

Com a pandemia do novo coronavírus, um dos mundos do entretenimento que mais se encontrou em crise foi o do teatro, que por conta da não recomendação de aglomeração, ficou impossível realizar espetáculos tanto por parte da plateia quanto dos bastidores.

Com as adaptações e as novidades do que chamamos de “novo normal”, a peça Madame Sheila surge em formato online, no site do Teatro Unimed, como uma divertidíssima crônica social do momento por que passa o mundo e, particularmente o Brasil.

Madame Sheila será apresentada em oito atos, de até oito minutos cada, exibidos online gratuitamente, nas quintas-feiras de outubro e novembro, no site do Teatro Unimed (www.teatrounimed.com.br), com a estreia sendo nesta quinta-feira (1º) , às 21h.

A personagem título é vivida por Luís Miranda, vencedor do Prêmio Shell, com direção de Monique Gardenberg, que faz uso de sua dupla experiência como diretora teatral e cineasta, para criar um espetáculo teatral digital com a colaboração de sua parceira Daniela Thomas (cenografia), Jorge Farjala (figurino), Glauco Firpo (direção de fotografia) e  Beto Bruel (iluminação), vencedor do Prêmio Shell 2020 por seu trabalho em Lazarus, espetáculo que inaugurou o Teatro Unimed.

Em coletiva de imprensa nesta terça-feira (29), na qual o OFuxico esteve presente, Luis e Monique compareceram para comentar sobre detalhes de Madame Sheila, além de suas inspirações por trás da peça.

Visão sobre a classe média

 

Luis Miranda tentou passar uma visão bastante crítica da classe média brasileira

Luis Miranda foi bastante enfático ao explicar que a peça é literalmente o olhar sob uma lente da desigualdade social no Brasil, com a personagem sendo uma espécie de retrato cômico da burguesia brasileira para jogar uma luz no público a respeito de diversos comportamentos sociais.

“Apesar de um posicionamento claro, não criamos um espaço de palanque ou menção direta a algum político em específico. Criamos uma espécie de “lente” sobre uma classe social, e por meio das atitudes da Sheila, fazemos uma espécie de crítica social, de coisas que sabemos que sempre estiveram ali mas não percebíamos. Algumas falas da Sheila podem ser vistas em casos políticos que ficou em alta na mídia, como a primeira-dama em relação aos moradores de rua, mas ninguém é mencionado diretamente”, contou o astro.

A peça gira em torno de Sheila, uma personagem da elite brasileira que vive em Paris, acaba sendo cercada por seus quarenta empregados durante a quarentena, e isso expõe parte de seus pensamentos e atitudes.

“Acho engraçado no Madame Sheila é o fato de ela estar trancada com um monte de gente dependente dela que a mesma nem sabia direito da existência, e isso mostra como a classe alta é dependente da classe baixa sem perceber isso”, completou Monique, que deu dados sobre a desigualdade no Brasil.

“Enquanto 67% da mortalidade de covid-19 é das classes mais pobres e nos hospitais elitizados é de menos de 2%. Essas coisas ficam expostas na medida em que você demonstra a cegueira da madame Sheila, que é a mesma da sociedade, pois ela não fala isso com dó. O poder está nesse texto”, ponderou.

Reflexões do isolamento social

 

Luis Miranda teve muitas reflexões na quarentena que impactaram o roteiro de Madame Sheila

Um fato interessante revelado por eles na coletiva foi o fato de boa parte destas críticas surgirem enquanto escreviam o texto durante isolamento social. Aliás, a própria ideia de pegar a Madame Sheila, personagem das peças Terça Insana e 5X Comédia, e lhe dar o protagonismo em um novo processo veio da própria maneira com que Luis dava vida à personagem nas turnês, dando início a um projeto que estrearia em setembro incialmente mas que se adaptou completamente após o surto de covid-19.

“A cada cidade que passávamos com 5X Comédia, a maneira de Luis interpretar Sheila ia se adaptando, e eram textos poderosos de 15 minutos apenas, então isso também ditou o formato de serem oito atos de oito minutos, pois em cada ato, uma nova faceta da personagem é mostrada ao público”, contou Monique.

“Madame Sheila da voz a muita coisa que eu gostaria de falar, e por eu ser mais da linha racional, gostei muito da abordagem como o Luis a viveu, e fico feliz de ver um ator negro e baiano autorizado a discutir questões sociais, por toda a história dele, com humor e de maneira bastante crítica apesar de leve, e me sinto honrada em trabalhar com ele em um projeto assim, e minha grande esperança é que ele coloque um espelho e as pessoas se vejam ali, na sua falta de empatia e em seus preconceitos internos, e enxerguem a complexidade da desigualdade social no Brasil. Mas, apesar de ser ‘toda louca’, a Sheila tem flashes de conscientização, e me sinto com sorte de participar de tudo isso”, completou ela, enquanto o ator mostrava a importância de suas reflezões na quarentena para construção da personagem.

“Eu estava em um momento de apogeu com a peça O Mistério de Irma Vap, quando chegou a pandemia, e isolado na minha casa em salvador, fiquei assustado, mas observando tudo, e não como disparador, pois só participei de lives quando convidado. Porém, tivemos outros assuntos muitos sérios acontecendo concomitantemente (caso George Floyd, desmantes do governo, entre outros), e foi quando reconheci as mazelas humanas da sociedade em meio a isso, com um governo confuso e uma sociedade dividida. Essa foi minha reflexão do momento, e talvez daí nasça a acidez da Sheila, que existe em mim como uma pessoa privilegiada, conhecida pelo público, que não passou fome, pagou todas as contas, enquanto muitos morreram de comida envenenada em doações. Então foi uma reflexão de comportamentos tanto meus, dos meus colegas e da sociedade que me levou a trazer uma Sheila como veremos no espetáculo”, afirmou.

“Me vejo como cronista da sociedade, e tudo que aconteceu no país esses dias é perfeita para criatividade de cronistas. Então, com base em tudo em que ouvi, li tido como real, eu iniciei meu processo criativo, e utilizo fatos históricos para criar o que vemos na peça hoje e explicar certos procedimentos”, explicou ele.

Importância da arte e do teatro na sociedade

 

Luis Miranda e Monique Gardenberg tiveram alguns desafios na produção da peça

Por ser uma peça cuja exibição será uma gravação no Teatro Unimed como se o espetáculo estivesse em cartaz presencialmente, muitos detalhes técnicos permearam a produção, e como diretora, Monique tem muitos detalhes acerca disso.

“Foi difícil decidir se manteríamos a risada de fundo igual sitcom ou não, afinal, o teatro é muito calcado da interação dos artistas com o público, principalmente em casos como o do Luis que é muito forte no improviso”, contou.

“Essa ideia surgiu mais para manter o teatro vivo, para que, quando tudo voltar ao normal, as pessoas tenham vontade de ir ao teatro, que mantenhamos essa arte viva. […] Em um momento cujo governo não incentiva arte e cultura, torcemos para que uma peça como Madame Sheila, cujo acesso é fácil e gratuito, possa despertar o interesse pelo teatro nas pessoas”, complementou Luis.

Por fim, o ator falou de atuar como Madame Sheila pouco tempo após receber o prêmio Shell, e afirmou enxergar isso mais como um fato marcante do que como uma virada completa em sua vida.

“O prêmio para mim é mais uma realização de uma carreira do que especificamente do meu papel em O Mistério de Irma Vap, e esse é meu objetivo como ator, não ficar restrito a um papel/estilo de personagem ou atuação, por isso pedi afastamento do Zorra e questionei minha posição na casa, pois não quero ficar restrito”.

“Meu papel como ator é de ultrapassar a fronteira, então o prêmio Shell foi um marco e já passou, estou pensando no futuro, no filme, em outros projetos já em produção, e quero me complementar cada vez mais. A Monique como diretora me ajudou muito nisso em Madame Sheila, e tirou todas as possíveis formas de me voltar a um papel restrito, como tirar os óculos (uma marca minha registrada), não deixar ela bêbada em todas as cenas (diferente das ouras peças), sempre para me tirar uma nova visão da personagem, sem que eu me escondesse atrás de uma máscara”, finalizou.

Não perca a estreia de Madame Sheila nesta quinta-feira (1º), às 21h, no site do Teatro Unimed (www.teatrounimed.com.br).

Lembrando que a Associação dos Produtores de Teatro (APTR) organiza uma campanha para arrecadação de recursos em apoio à alimentação dos que trabalham com a quinta arte, e o Instituto Central Nacional Unimed abraçou a causa. Por meio de doações, será possível recarregar 1,2 mil cartões alimentação VR Benefícios (isento da cobrança de taxas) já distribuídos para aqueles que estão sem trabalho na área, desde o início da pandemia da covid-19, auxiliando os profissionais e suas famílias. 

O público de Madame Sheila pode fazer parte dessa corrente do bem, doando qualquer contribuição por meio do aplicativo Ame Digital. Afinal, os espetáculos podem até ter dado uma “pausa”, mas a solidariedade não.

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