Aguiberto Santos homenageia Elis Regina
Por Redação - 19/01/06 às 11:52
Neste dia 19 de janeiro, o público brasileiro relembra a morte da saudosa cantora Elis Regina, que morreu em 1982. O autor e ator Aguiberto Santos escreveu um poema especial para esta data. Confira:
“Memória – Para Você, Elis
Era uma noite de alguns anos atrás. A princípio, uma noite que poderia ser uma noite qualquer; mas era especial. Você, tal qual um frágil barco, tava lá, via TV, navegando um mar de emoções alheias; mas com a força e garra de um experiente pescador jogando seu arrastão. Uma pescaria decisiva. A partir daí, passou a fazer parte do meu cotidiano, tornando-me por muitas vezes marionete de sua emoção. Uma emoção que hoje, muitos anos depois, não é menor; embora não te tenha mais. Ou te tenha mais que nunca, pelo privilégio de ter cruzado seus caminhos de uma forma mais próxima.
Pena que tenha sido tão tarde, mas, melhor que se fosse nunca.
Como um prólogo desta proximidade, em uma noite fria, num êxtase de sonho, embarquei contigo. Uma viagem inesquecível de trem. Um "TREM AZUL": Uma viagem que jamais me perdoaria se tivesse perdido. Foi o início de outras. Cruzamos os ares por algumas vezes no mesmo avião.
Em andares separados, num distanciamento próximo, dormimos algumas noites nos mesmos hotéis e, em coxias, me deliciei com suas brincadeiras em cima de letras e melodias; como me diverti com seus shows privados, com scripts de emoções incontidas e muito verdadeiras. E é assim que quero te guardar. Assim, e de muitas outras formas que te vi. Como na nossa última manhã de aeroporto. Doce, terna, de carinha lavada, guardando seu corpo miúdo numa calça Lee, numa camiseta de listras vermelhas e brancas de decote canoa, sem mangas, muito mãe, conduzindo dois dos rebentos pela mão. Pra nós, sua herança futura: "Pedro Mariano e Maria Rita". Com esta mesma roupa, te vi brincar com cordas vocais pela última vez na noite anterior. Como te esquecer? Como esquecer tudo? As contradições, as incoerências, os momentos impulsivos que foram muitos, a ternura, a amizade, a gama de emoções que faziam de sua pessoa um ser especial?
Nessa mesma viagem de volta, no ar, numa poltrona atrás da sua, te vi fazer palavras cruzadas, cansada. E te vi adormecer.
Antes do desembarque, ainda vi teu ímpeto provocado por um comissário de bordo. O último presenciado por mim, e por um amigo irmão, daqueles que você faz a gente ver na sua interpretação de "Canção da América". E no ônibus, até o desembarque doméstico, foi pra este mesmo amigo que você demonstrou a alegria de estar voltando pra casa, resumida numa única frase: "Aí que saudade de minha cama, da minha latrina!". Frase que ainda hoje ecoa nos meus ouvidos. E foi nossa penúltima viagem.
Na última não te acompanhei, só fui me despedir. Fui triste, por saber que jamais voltaria. Talvez até tenha sido covardia. Mas continuo querendo te guardar das formas que te disse.
Deixei que todos eles fossem. Mas agora não interessa eles nem eu. Pois eu não sou eu e eles não são eles, somos somente emoção. O importante era, e é, você. Uma dimensão maior, uma luz intensa, que sem imposições e sem restrições, sempre nos conduziu à doce sensação de entrega, bolinando e satisfazendo toda a alma e o interior de um ser humano.
Mas te tenho aqui, na minha casa, na razão, no coração, na vida. Tenho a tua voz! Te tenho brilhando todas as noites em forma de estrela como energia.
E que todos te tenham sempre, te redescubram a cada dia. Que te guardem, como ainda se guarda toda cantiga de roda. Que seja sempre "MEMÓRIA".
Aguiberto Santos”
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