Bruno Gagliasso: “Aceito o convite se sentir tesão pela história”
Por Redação - 30/09/13 às 12:04
É com um olhar distante e um semblante pensativo que Bruno Gagliasso busca palavras para explicar o porquê de ter esperado mais de 20 anos para aceitar dar vida a seu primeiro protagonista herói na televisão.
"Ao longo desses anos, eu recusei muitos convites para interpretar mocinhos porque preciso sentir tesão pela história do personagem. E, para despertar o meu interesse, o papel tem de sair do óbvio", reflete.
No ar na pele do íntegro Franz de Joia Rara, da Globo, o ator faz questão de frisar que seu personagem não segue os parâmetros do mocinho romântico. O que era de se esperar. Já que, mesmo preenchendo todos os requisitos para se encaixar no perfil de galã, Bruno diz que nunca usou sua beleza estética como um alicerce em sua carreira.
"Não me preocupo em ser reconhecido como galã. Minha vaidade é outra, quero entregar um trabalho decente", garante.
A atração de Bruno por personagens complexos é declarada. Não é à toa que, em sua trajetória na tevê, predominam papéis de composição. Assim como muitos, o ator carioca entrou para o universo da teledramaturgia fazendo figuração em novelas. Mas demonstrou ter algo a mais quando foi escalado, em 2000, para a primeira versão tupiniquim de Chiquititas, do SBT. Bruno se destacou na novela infantil e logo assinou com a Globo, estreando na emissora menos de um ano depois, com o folhetim As Filhas da Mãe.
Hoje, aos 31 anos, ele carrega em seu currículo uma gama diversificada de personagens que vai do homossexual Jnior, encarnado em América, de 2005, passando pelo esquizofrênico Tarso, que viveu em Caminho das Índias, de 2009, e até um psicopata, o Timóteo, interpretado em Cordel Encantado, de 2011.
"Eu sinto que fiz o caminho inverso na teledramaturgia. A maioria dos atores só tem a chance de dar vida a personagens de composição como esses quando já tem toda uma trajetória nas costas", acredita.
Outros horizontes
Antes de voltar ao ar em Joia Rara, Bruno passou por um período de dois anos afastado das novelas. O tempo descansando a imagem foi fruto de um acordo com a diretora Amora Mautner, que, ainda durante as gravações de Cordel Encantado, havia reservado o ator para seu atual folhetim em parceria com as autoras Duca Rachid e Thelma Guedes. Mas Bruno não ficou parado. Pela primeira vez, pôde se dedicar ao cinema, paixão que havia deixado de lado, até então, por falta de espaço em sua agenda.
"Eu sempre quis fazer cinema, mas acabei emendando um trabalho no outro na televisão. Então, aproveitei esses dois anos fora do ar para abrir minha própria produtora, a Escambo. Onde eu não apenas atuo, mas também produzo meus próprios longas", conta.
Seu primeiro contato real com o cinema foi durante as gravações do filme Mato Sem Cachorro, que estreia no circuito nacional nesta sexta, dia 4. Sob a supervisão do diretor estreante Pedro Amorim, Bruno deu vida a Deco, um msico talentoso que se apaixona pela radialista Zoé, de Leandra Leal, e seu cachorro Guto. O longa é uma comédia romântica e conta com a participação especial do humorista Danilo Gentili no elenco.
"Estrear no cinema com esse filme está sendo incrível porque ele é diferente da maioria dos longas brasileiros. Vai ter humor sim, mas a história também emociona", adianta.
Perfil versátil
Para Bruno Gagliasso, as mudanças estéticas fazem parte do processo de composição de um personagem. Em Caminho das Índias, por exemplo, o ator engordou 12 quilos para dar vida ao esquizofrênico Tarso. Isso porque os remédios usados no tratamento contra o distrbio mental costumam ter como efeito colateral o aumento de peso. E Bruno, por conta própria, quis dar verossimilhança a seu papel. Já em Joia Rara, o ator teve de emagrecer.
"Como o Franz sofre um acidente logo no início da novela, onde fica desidratado, eu tive de perder peso para passar esse incidente com realismo para o pblico", explica.
O Fuxico: Como foi a preparação para dar vida ao Franz de Joia Rara?
Bruno Gagliasso: Apesar de se passar entre as décadas de 1930 e 1940, eu considero a novela da dupla Duca Rachid e Thelma Guedes bastante atemporal. Tanto que não precisei, por exemplo, fazer aulas de prosódia para construir o personagem. Ele não carrega sotaque e tem um linguajar bem atual. O próprio tema central, que é essa oposição entre o capitalismo, representado pela família de Franz, em relação ao comunismo, que ganha forma na família de Amélia, é algo que estamos vivenciando hoje no Brasil com os protestos nas ruas. Tive de me preparar mais para as cenas do personagem no Himalaia. Fiz um curso de escalada para conseguir gravar em grandes altitudes nas geleiras. E as sequências acabaram ficando muito verossímeis porque o cansaço e o frio que o personagem demonstra estar sentindo eram reais. Passei por aquilo de verdade. Já para moldar o caráter de Franz, eu passei por todo um processo de composição interior.
OF: Como foi esse processo?
BG: Os personagens de composição são os que realmente me movem. Como, na trama, Franz passa um período se recuperando de um acidente na Cordilheira do Himalaia em um mosteiro, eu me inspirei bastante no longa Sete Anos no Tibet. A integridade dele e seu amor por Amélia, de Bianca Bin, também me inspiraram muito. Entretanto, eu procurei não me aprofundar no budismo. Porque o meu personagem começa cético em relação à religiosidade dos monges. E só com o decorrer da trama que ele passa a entender e aceitar a crença budista. E, assim como a novela é uma obra aberta, eu resolvi me envolver com o budismo de acordo com a intensidade que o Franz for se envolvendo ao longo dos capítulos.
OF: As gravações de Joia Rara contaram com uma temporada de, aproximadamente, um mês no Nepal. Esse período ajudou você na composição do personagem?
BG: Sim. E muito. Porque lá eu pude observar de perto todo esse universo que envolve a trama do folhetim. Além de ter gravado cenas muito fortes, que me exigiram uma entrega total ao Franz. A pobreza do país também me comoveu. Apesar de viver na miséria, o povo do Nepal é extremamente pacífico. Uma contradição surpreendente, no meu ponto de vista. Também usei a pobreza que vi por lá como referência para a novela, comparando com a situação precária que os operários viviam na década de 1940 no Brasil. Isso me ajudou a entender melhor suas reivindicações.
OF: Este é seu quarto trabalho sob a direção de Amora Mautner. Como tem sido essa parceira?
BG: A Amora é uma pessoa em quem eu confio completamente quando se trata de teledramaturgia. Porque ela, assim como eu, sai do lugar-comum. Não gosta do óbvio. Toda a produção de Joia Rara é digna de cinema, desde sua trilha sonora até a fotografia, as atuações e as sequências da novela. E isso não é apenas aproximar a linguagem do cinema à da televisão. Isso é transformar a arte em algo acessível para grande parte da população brasileira. Foi por ser um convite dela e das autoras Duca Rachid e Thelma Guedes, é claro, que eu aceitei interpretar um mocinho na televisão. Coisa que eu não me sentia seguro para fazer até então.
OF: Por que?
BG: Em geral, o mocinho de uma novela, ainda mais sendo do horário das seis, é muito bobão. Um personagem monocromático, com pouca humanidade. Mas, quando a Amora me convidou, eu sabia que ela não me daria um papel tão óbvio assim. O convite foi feito quando ainda estávamos gravando Cordel Encantado, em 2011. E eu aceitei na hora porque confio nela. E eu não me arrependo de ter demorado tanto tempo para aceitar encarnar um herói romântico assim. Primeiro, porque eu esperava pelo papel certo, como esse, em que eu pudesse trabalhar o personagem além dos limites do mocinho clássico. E, depois, porque acredito que todos os meus papéis menos ortodoxos, de alguma maneira, me prepararam para viver o Franz. Me deram uma base mais sólida.
OF: Você começou ainda criança na televisão. Teve algum papel específico que lhe deu a certeza de estar no caminho certo?
BG: Sim. O Inácio da novela Celebridade, do Gilberto Braga. Porque era um personagem que passava por conflitos extremamente complexos. Ele perdia o irmão em um acidente e era rejeitado pela mãe, que tinha o filho falecido como favorito. Então, a culpa da morte do irmão o consumia. Passar essa aflição para o público foi um desafio para mim. Além de ter sido o meu primeiro grande trabalho de composição, acredito que também foi um divisor de águas na minha carreira na televisão. Porque foi através do Inácio que pude mostrar para autores e diretores que eles poderiam confiar em mim papéis que exigem uma atuação mais elaborada.
OF: Esse tipo de personagem de composição se tornou cada vez mais constante em sua trajetória. Como você encara isso?
|BG: Eu sou um grande questionador da vida. Gosto de questionar e colocar perguntas em pauta. E acredito que essa seja uma das funções do ator. Trazer à tona assuntos que a sociedade precisa discutir porque desconhece ou por ser um tabu. E me deixa muito satisfeito ver que muitos personagens que interpretei tiveram esse viés social.
OF: Como assim?
BG: Na época em que encarnei o Tarso de Caminho das Índias, por exemplo, a esquizofrenia era pouco comentada. O tratamento que as pessoas que sofrem desse distrbio recebiam era desconhecido pela maioria dos brasileiros. E foi através do personagem que esse assunto começou a ser debatido no país. Com o Júnior de América, aconteceu a mesma coisa. Sempre deixei claro que não estava levantando bandeira nenhuma ao interpretar um homossexual. Mas, só de mostrar essa realidade na tevê, já ajudou a sociedade a discutir sobre o tema. Além dessa função social, que é muito importante, ser ator também me realiza pessoalmente porque tenho a oportunidade de ter várias experiências diferentes na pele dos meus personagens. Algumas que eu nunca teria se não os interpretasse. E essa é uma das grandes belezas da arte da interpretação.
OF: Desses personagens com cunho social, qual você destacaria a repercussão entre o público?
BG: O Júnior de América ganhou muito espaço na novela e gerou uma expectativa enorme entre o público. Eu me lembro que as pessoas colocaram telões pelo Brasil para assistir ao último capítulo da novela na espera de um beijo gay entre o personagem e seu parceiro. Também fui abordado por pessoas que me agradeciam por ajudá-las a se sentir mais seguras para assumir sua homossexualidade. E isso não tem preço.
Trajetória Televisiva
# Chiquititas (SBT, 2000) – Rodrigo.
# As Filhas da Mãe (Globo, 2001) – José Carlos Rocha.
# Desejos de Mulher (Globo, 2002) – Saulo de Gog.
# A Casa das Sete Mulheres (Globo, 2003) – Caetano.
# Celebridade (Globo, 2003) – Inácio Vasconcelos Amorim.
# América (Globo, 2005) – Roberto Sinval Fontes Jnior.
# Sinhá Moça (Globo, 2006) – Ricardo Garcia Fontes.
# Dom (Globo, 2006) – Théo.
# Paraíso Tropical (Globo, 2007) – Ivan Correia Novaes.
# Ciranda de Pedra (Globo, 2008) – Eduardo Ribeiro.
# Caminho das Índias (Globo, 2009) – Tarso Cadore.
# Passione (Globo, 2010) – Berillo Rondelli.
# Cordel Encantado (Globo, 2011) – Timóteo Cabral.
# As Brasileiras (Globo, 2012) – Zé Sereno.
# Joia Rara (Globo, 2013) – Franz Hauser.
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