Especial Dara e Herivelto – história

Por - 02/01/10 às 16:01

Passional talvez seja a palavra que melhor define a história de Dalva de Oliveira e Herivelto Martins. Ela, uma grande cantora, e ele, um compositor notável, viveram uma relação intensa e verdadeira, nos palcos e na vida. Na minissérie Dalva e Herivelto, Uma Canção de Amor, a autora Maria Adelaide Amaral conta, em cinco capítulos, a história desses dois ícones do samba-canção brasileiro, que marcaram época com suas vozes, letras e conflitos conjugais.

A história se constrói a partir de um retrospecto da vida do casal, começando em 1972, com Dalva de Oliveira já no leito de morte, sonhando com a visita de seu ex-marido e grande amor, Herivelto Martins. A partir de então, os dois personagens, que na trama são interpretados pelos atores Adriana Esteves e Fábio Assunção, relembram os principais acontecimentos que ocorreram desde que se conheceram, em 1936, no Teatro Pátria, no Largo da Cancela, em São Cristóvão, zona norte do Rio de Janeiro.

A obra de ficção está baseada em fatos reais e mostra como esse encontro entre os dois mudou substancialmente o curso de suas vidas, bem como marcou a história da música popular brasileira. Os 13 anos de casamento e os desentendimentos, que ganharam ênfase com a separação, contribuíram para uma arrebatadora produção artística e cultural, que será retratada na minissérie.

A ÉPOCA DE OURO DO RÁDIO

Apesar de a Segunda Guerra Mundial ter manchado as décadas de 30 e 40 no Brasil, principalmente em sua capital, Rio de Janeiro, vivia-se tempos áureos.

No palco do Cassino da Urca e na Rádio Nacional, passavam personalidades internacionais e também eram projetados talentos artísticos que se tornaram inesquecíveis. A rádio nas décadas de 40 e 50 exercia fascínio semelhante ao da televisão atualmente, e desempenhou um papel fundamental ao revelar cantores, conjuntos vocais e comediantes que animavam a vida da família brasileira.

Mesmo que, na década de 60, a chegada da televisão tenha significado a decadência para os cantores de rádio, o casal já havia deixado seu legado marcado na história da música popular brasileira.

O INÍCIO DE TUDO

Dalva de Oliveira nasceu Vicentina, seu nome de batismo. Mas, segundo sua mãe Alice, interpretada na minissérie por Denise Weinberg, Vicentina não era nome de estrela; Dalva, sim! Ela nasceu em Rio Claro, interior de São Paulo, e, após a morte de seu pai, se mudou para a capital com a mãe e as três irmãs menores. Foi no Rio de Janeiro, porém, que se consolidou profissionalmente, já ao lado de Herivelto Martins.

A história do casal começou em 1936, quando Herivelto assistiu a uma apresentação de Dalva, no Teatro Pátria. Ele se encantou pela jovem e fez dela sua grande criação.

Dalva uniu-se à dupla Preto e Branco, composta por Herivelto Martins e Nilo Chagas, interpretado na trama por Maurício Xavier. O grupo logo ganhou o título de Trio de Ouro, do radialista César Ladeira, vivido pelo ator André Correa.

O TRIO DE OURO

Após o sucesso do primeiro disco, Itaquari, o trio gravou Ceci e Peri. Foi quando Dalva descobriu estar grávida. Para delírio dos fãs, a escolha do nome de seu filho foi feita por votação na Rádio Mayrink Veiga. O eleito para seu primogênito foi Pery, interpretado por Gabriel Moura quando adolescente e por Thiago Fragoso, na vida adulta. O casal teve ainda um segundo filho, Ubiratan, vivido na trama em duas épocas distintas por Yago Machado e Thiago Mendonça.

Com uma agenda lotada de shows, o casal conquistou fama e dinheiro. 

Ao logo de toda a sua trajetória, o Trio de Ouro teve mais de 200 músicas conhecidas e cantaroladas por seus fãs. A bem sucedida união resultou também em 99 discos emplacados pelas gravadoras Odeon, Victor e Columbia, e dominou os maiores sucessos do samba-canção.

O excesso de trabalho nunca foi motivo de reclamação. Ao contrário, tudo era pretexto para cantar, beber e celebrar. O casal fazia parte do grupo das maiores estrelas da época, formado, entre outros, por Grande Otelo (Nando Cunha), Linda (Cláudia Netto) e Dircinha Batista (Luciana Fregolente) e Marlene (Rita Elmôr). Coristas, bailarinos, cantores, todos frenquentavam a casa do casal. 

DALVA E HERIVELTO

Herivelto cuidava nos mínimos detalhes de sua estrela. Era ele quem escolhia as roupas, penteado, repertório e parcerias de Dalva de Oliveira. E ela brilhava cada vez mais. Era o ouro do Trio de Ouro.

Se, profissionalmente, Herivelto era um parceiro dedicado e preocupado com Dalva, na intimidade, esse zelo com a mulher não existia. Quanto maior a fama, maior eram as desavenças entre os dois. Galanteador, ele costumava seduzir as mulheres bonitas que encontrava pela frente. Dalva, por sua vez, enlouquecia de ciúme e se entregava à bebida. 

Herivelto tinha relacionamentos extraconjugais, mas nunca perdia o rumo de casa. As brigas eram frequentes, mas as reconciliações também. Isso, até Herivelto conhecer Lurdes Torelly, interpretada por Maria Fernanda Cândido.

Foi a bordo de um avião, que Herivelto viu pela primeira vez a mulher com quem se casaria e por quem deixaria Dalva. O encanto inicial pela comissária Lurdes só não foi tão grande quanto o empenho de Herivelto em conquistá-la. Divorciada e com um filho, Lurdes não queria problemas. Ela conhecia a fama de conquistador de Herivelto e sabia que ele era casado.

Por Lurdes, Herivelto mudou seu comportamento. Passou a dar assistência e visitar os filhos que teve com sua primeira mulher. E, após inúmeras serenatas, canções, poemas e, principalmente, uma real mudança de postura, o compositor convenceu Lurdes de que seu amor era verdadeiro. Dalva percebia, então, que seu casamento dessa vez havia acabado e o marido tinha realmente se apaixonado por outra. 

O FIM DO CASAMENTO

Sabendo que a separação com Dalva certamente significaria o rompimento do Trio de Ouro, Herivelto vivia um dilema: queria se casar com a aeromoça, mas precisava do dinheiro que ganhava com o sucesso musical. Dalva, por sua vez, via nesse impasse uma chance de reconquistar o grande amor de sua vida.

A gota d’água para o fim do casamento profissional e pessoal foi uma viagem à Venezuela. Convidado por Dercy Gonçalves, interpretada por Fafy Siqueira, o Trio de Ouro participou de apresentações em Caracas, em 1949. O resultado foi desastroso, tanto do ponto de vista financeiro, quanto artístico.  A tradicional  plateia  estrangeira repudiou as ousadas apresentações de Dercy, e Dalva de Oliveira e Herivelto Martins romperam de fato o relacionamento. Era o fim do Trio de Ouro, pelo menos em seu formato original. Mais tarde, Herivelto tentou recuperar o grupo com outras formações, porém nunca mais alcançou o sucesso que teve ao lado de Dalva e Nilo Chagas.

UMA BATALHA MUSICAL

Sozinha e com uma saudade dilacerante do passado, Dalva deu início a sua carreira solo. E provou por que era considerada o ouro do trio. Dalva era novamente um fenômeno musical, com as canções que gravava.

Esse sucesso, porém, despertou a inveja e o ódio de Herivelto. Ofendido, o compositor iniciou uma verdadeira guerra musical, em que Dalva e Herivelto se acusavam publicamente pelo fracasso do casamento.

A briga entre o casal influenciou diretamente a vida de seus filhos que, por um mandado judicial, foram obrigados a se instalar num internato. Influenciou também a vida dos fãs, que se dividiram.

Como se não bastassem as músicas, Herivelto publicou 22 artigos no periódico Diário da Noite, que insultavam e difamavam a cantora. Mas, o feitiço virou contra o feiticeiro. Herivelto foi punido pela opinião pública e a carreira de Dalva só ascendia. As mulheres brasileiras projetavam na cantora seus dramas pessoais e a apoiavam. Suas canções conquistavam as principais paradas de sucesso e Dalva foi eleita, em 1951, a Rainha do Rádio. O show business no Brasil nunca havia visto nada igual.

Mas, o coração da cantora continuava destroçado…

A DECADÊNCIA DE UMA ESTRELA

Dalva tentou se reestabelecer na vida amorosa. Se casou duas vezes, mas nunca mais se apaixonou de verdade. A estrela foi se apagando aos poucos e trocando os palcos pelo álcool. Bebia cada vez mais e trabalhava cada vez menos. 

Em 1965, um acidente de carro deixou a cantora meses no hospital e, entre outros traumas, resultou em uma cicatriz em seu rosto. O trabalho tornava-se cada vez mais escasso, e o dinheiro também. 

Longe das grandes plateias e casado com Lurdes, com quem teve três filhos, Herivelto arrumou um emprego público, fez shows com sua escola de samba e dirigiu o centro espírita que fundou. E nunca mais procurou Dalva.

Em 1972, Dalva de Oliveira morreu, vítima de um câncer. 


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