Guerreiros do Sol: Embates e desejos proibidos ganham força
Por Flavia Cirino - 10/07/2025 - 10:54

Com a nova leva de capítulos liberada pelo Globoplay, “Guerreiros do Sol” reafirma sua força como uma das novelas mais bem realizadas do streaming nacional.
A direção artística de Rogério Gomes, somada à assinatura visual de João Gomes e Thomaz Cividanes, imprime uma linguagem potente, em que cada cena respira estética, simbolismo e narrativa com impacto.
‘Guerreiros do Sol’ tem cenários reais no sertão nordestino
Desde os primeiros episódios, a novela surpreende pela forma como retrata o sertão baiano dos anos 1920 e 1930 sem recorrer a estereótipos. Os conflitos armados, a disputa por poder entre cangaceiros, coronéis e figuras religiosas se desenrolam com ritmo e profundidade. No entanto, o que marca esta nova etapa é o equilíbrio entre ação e emoção.
Com destaque para o retorno de Josué (Thomás Aquino), o texto de George Moura e Sergio Goldenberg evita maniqueísmos. A presença do ex-cangaceiro Pente Fino (Pedro Wagner) e sua perseguição ao Padre Bida (Rodrigo Lélis) introduz nuances sobre fé, traição e justiça, enriquecendo o enredo sem apelar para obviedades.
É preciso observar, ainda, como a fotografia constrói atmosferas delicadas sem perder a tensão. A luz alaranjada do sertão, as sombras carregadas dos interiores e a textura da poeira ajudam a traduzir visualmente a complexidade das emoções dos personagens.
Amor entre mulheres emociona e quebra silêncios antigos
A relação entre Otília (Alice Carvalho) e Jânia (Alinne Moraes) desponta como um dos núcleos mais sensíveis da trama. A cena em que Otília se abre com Rosa (Isadora Cruz) sobre seus sentimentos representa um marco na teledramaturgia atual. “Fico longe dela e sinto saudade”, diz Otília, em uma sequência conduzida com simplicidade e profundidade.
Alinne Moraes mostra talento de sobra em ‘Guerreiros do Sol’
O mais tocante é a reação de Rosa. Sem julgamento, a personagem acolhe a irmã com um abraço e uma fala suave: “Como vou ficar estranha contigo?”. É nesse instante que a novela transforma o simples em poderoso. Em vez de dramatizar a homossexualidade de forma exagerada, opta por humanizá-la com afeto e acolhimento.
A atuação de Alinne Moraes reforça essa naturalidade. Intérprete de Jânia, ela já havia abordado o tema em “Mulheres Apaixonadas” (2003), mas reconhece que agora o espaço para o amor entre mulheres ampliou-se, ganhando camadas reais e legítimas.
“Teve um tempo em que os gays, para serem aceitos nas novelas, eram só homens e estereotipados”, afirma. Ao relembrar as cartas recebidas de meninas que enfrentaram rejeição, a atriz evidencia a importância de tratar o amor como amor — sem rótulos e com liberdade narrativa.
"Gosto dela demais. Fico dias sem ver e parece que o coração vai pular pra fora da caixa do peito."
— Sérgio Santos (@ZAMENZA) July 9, 2025
"Gostar do jeito oque mulher gosta de homi?"
"Do jeito que muié gosta de muié."
Que cena preciosa de Alice Carvalho e Isadora Cruz. #GuerreirosdoSol pic.twitter.com/kggo7C6EZy
Mesmo ambientada em um período conservador, a novela constrói essa relação de maneira orgânica. Jânia já se envolvia com Otília antes da morte de seu marido, Idálio (Daniel de Oliveira), e mesmo sob o luto, não recua do que sente. O passado opressor não sufoca o presente afetivo, e isso revela uma escolha corajosa por parte dos autores.
Padre Bida e Valiana: Fé, desejo e redenção
Enquanto a relação entre Jânia e Otília ganha fôlego, outro enredo se desenvolve com sutileza: o romance velado entre Valiana (Nathalia Dill) e o Padre Bida. Ambos caminham por uma linha tênue entre espiritualidade e desejo. A novela não retrata esse sentimento como escândalo, mas sim como humanidade.
Reveja o primeiro momento íntimo de Rosa e Josué
Valiana carrega um passado doloroso, marcado por doenças e principalmente relações abusivas. Ao se aproximar de Bida, entretanto, ela encontra pela primeira vez um afeto sem possessividade. O padre, por sua vez, enfrenta o conflito entre seus votos e as emoções que o invadem.
Nathalia Dill avalia o amor de sua personagem acima de tudo como um símbolo de reconstrução: “Esse amor é uma representação do reencontro dela com ela mesma”.
O olhar da direção sobre essa relação recusa a pressa. Dessa forma, as trocas entre os dois se constroem com olhares longos, silêncios carregados de sentido e proximidades que dizem mais do que palavras.
É aí que “Guerreiros do Sol” se afasta do convencional. Em vez de seguir fórmulas previsíveis, prefere explorar os dilemas internos de seus personagens, sem perder ritmo nem profundidade.
Uma trama com identidade visual marcante e escrita afiada
Ao adaptar o livro de Frederico Pernambucano de Mello, que aliás também atua como consultor da série, os roteiristas não se contentam em apenas ilustrar a história do cangaço. Eles investigam suas entranhas, suas ambiguidades e seus reflexos sociais. Cada personagem carrega intenções, contradições e traumas.
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A força feminina, por exemplo, se impõe com personagens como Petúnia (Larissa Góes) e Sabiá (Vitor Sampaio), que seguem no grupo de cangaceiros sem perder ternura ou convicção. Mesmo as figuras masculinas, como Arduíno (Irandhir Santos), ganham nuances que evitam caricaturas.
No centro disso tudo, a direção conduz os capítulos com domínio absoluto do tempo dramático. As pausas, os enquadramentos e a trilha sonora — que por vezes mistura regionalismo e tensão — revelam uma novela que não subestima a inteligência do público.
“Guerreiros do Sol” entrega mais do que entretenimento: propõe discussões, amplia olhares e emociona. Com isso, consolida-se como uma das obras mais consistentes do Globoplay, digna de atenção pela delicadeza com que trata temas urgentes e pela beleza com que se constrói em cena.
É jornalista formada pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em Jornalismo Cultural e Assessoria de Imprensa pela Estácio de Sá. Ela é nosso braço firme no Rio de Janeiro e integra a equipe de OFuxico desde 2003. @flaviacirino

























