Influenciadoras são condenadas a 12 anos por injúria racial
Por Flavia Cirino - 19/08/2025 - 11:20

A Justiça do Rio de Janeiro condenou as influenciadoras digitais Kerollen Vitoria Cunha Ferreira e a filha, Nancy Gonçalves Cunha Ferreira, a 12 anos de prisão em regime fechado. A decisão foi tomada na segunda-feira, 18 de agosto, pela juíza Simone de Faria Feraz, da 1ª Vara Criminal da Comarca de São Gonçalo. E envolve episódios de injúria racial contra duas crianças negras de 9 e 10 anos.
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De acordo com o processo, as mulheres ofereceram uma banana e um macaco de pelúcia às vítimas, registraram as cenas e divulgaram nas redes sociais. Com mais de 13 milhões de seguidores, Kerollen e Nancy viralizaram os conteúdos em plataformas como Instagram, TikTok e YouTube.
Na sentença, a magistrada destacou a gravidade dos atos. “Não, as rés criaram conteúdo, ridicularizaram as crianças. Pouco importa se no momento em que (…) recebe uma banana e (…) um macaco de pelúcia não tivessem, naquele momento, repito, a perfeita consciência da chibata em seus pequenos corpos. Não, o crime se protrai no tempo e ganha contornos de verdadeira monstruosidade quando publicam, sem dó e respeito, suas reações imaturas e inocentes em rede social”, escreveu a juíza.
Defesa tentou minimizar episódios
Durante depoimento, Nancy e Kerollen alegaram que ajudavam as famílias das crianças e que apenas seguiram uma “trend” das redes sociais. Negaram racismo e disseram não saber o que significa racismo recreativo. A juíza, no entanto, rebateu as justificativas.
“Nada mais absurdo querer fazer crer que nesses dias de conhecimento imediato, fácil acesso, as rés não soubessem o que é racismo. Não viviam as rés em tribo isolada, sem rede social, longe de tudo e de todos, absortas em si. Não e não! Faziam seu ganha pão, nada módico, é bom de ver, justamente em publicações em rede mundial de computadores”, ressaltou.
Simone Feraz ainda afirmou que as duas repetiram um gesto de ódio com aparência de brincadeira. “O que fizeram as rés, em íntimo de vontades, foi sangrar, mais uma vez, em açoites os nascidos de África. (…) Ao fazer jocoso o anseio de crianças entregando-lhes banana ou macaquinho de pelúcia, animalizando-as para além do humano, riram de suas opções cegas, em verdade sem escolha.”
Relembre os vídeos
Em um dos registros, Kerollen conversa com um menino negro em uma calçada e oferece a escolha entre um presente ou R$ 10. O garoto opta pelo presente, mas recebe uma banana. Surpreso, pergunta “só isso?”, rejeita a oferta e deixa a cena. Segundo a Polícia Civil, o mesmo menino passou por situação semelhante com elas em outra ocasião.
Outro vídeo, aliás, mostra uma abordagem a uma menina negra. A criança recebe a opção entre R$ 5 ou uma caixa. Ela então escolhe o presente e ganha um macaco de pelúcia. Apesar de abraçar o brinquedo e agradecer, o gesto da influenciadora se enquadrado como injúria racial pela Justiça.
O conceito de racismo recreativo
O termo “racismo recreativo” surgiu através do jurista e pesquisador Adilson Moreira no livro de mesmo nome. Ele explica que a prática consiste em atos discriminatórios mascarados de humor, muitas vezes tratados como brincadeiras inofensivas, mas que ferem e reforçam estigmas contra pessoas negras.
Para o advogado especialista em compliance antidiscriminatório Fabiano Machado da Rosa, esse tipo de prática funciona como uma agressão disfarçada de piada. “O racismo recreativo é velado pelo humor”, resume o jurista.
Condenação exemplar
A decisão contra Kerollen e Nancy Ferreira foi classificada como exemplar diante da repercussão dos casos. Para a magistrada, a ampla divulgação dos vídeos ampliou o alcance das ofensas, atingindo não apenas as crianças diretamente envolvidas, mas também toda a coletividade que se reconheceu nos episódios.
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As duas influenciadoras devem ser transferidas para o sistema prisional e não poderão recorrer em liberdade. A sentença reacendeu o debate sobre os limites do humor e a necessidade de responsabilização quando se trata de práticas racistas em ambientes digitais.
É jornalista formada pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em Jornalismo Cultural e Assessoria de Imprensa pela Estácio de Sá. Ela é nosso braço firme no Rio de Janeiro e integra a equipe de OFuxico desde 2003. @flaviacirino

























