Irene Ravache e a responsabilidade de fazer a Charlô, em Guerra dos Sexos

Por - 07/10/12 às 10:15

Luiza Dantas / Carta Z Notícias.

A carreira de Irene Ravache sempre foi mais pautada por seus projetos pessoais, como produtora, diretora e atriz de teatro. Por isso mesmo, trabalhar mais uma vez com Silvio de Abreu e boa parte do pessoal com quem esteve quando atuava em Passione, na pele da excêntrica Clô, já seria um bom motivo para dizer sim ao convite para interpretar qualquer personagem do remake de Guerra dos Sexos.

Mas Irene assume que ficou sem ar quando descobriu que, na verdade, o chamado era para viver o mesmo papel que Fernanda Montenegro na primeira versão.

"O Silvio começou dizendo que iam fazer de novo a novela. Achei ótimo porque eu não pude assistir na época. Depois, me disse que chamaria o Tony (Ramos) para o papel do Paulo Autran. E, em seguida, avisou que a Charlô era minha. Jamais imaginei que faria parte disso, ainda mais assim. Fernanda é a maior atriz do Brasil", exalta a atriz, com os olhos brilhando.

E ela sabe que passará por vários momentos de emoção, já que sempre foi amiga de Fernanda e Paulo. Como na hora de gravar a histórica cena da guerra de comida. Quando se lembra do tempo que conviveu com Paulo, Irene chega a se emocionar.

"Fui apaixonada por ele na adolescência. E trabalhamos juntos na peça Pato com Laranja. Ele fazia algo lindo, que nenhum colega jamais fez: passava pelo meu camarim, batia na porta e me buscava para chegarmos juntos ao palco. Um cavalheiro", lembra.  

Irene Ravache valoriza o fato de interpretar papel que foi de Fernanda MontenegroOFuxico – Você já citou a Fernanda Montenegro várias vezes como uma das maiores atrizes que já viu. Interpretar um papel que foi dela influencia de alguma forma o seu trabalho?

Irene Ravache – Primeiro, é uma honra ser escolhida para essa função. Mas o trabalho de Fernanda e de Paulo é um clássico e ele está lá, onde é o lugar dele, dentro dos grandes momentos da televisão. Me sinto privilegiada porque sou cria da Fernanda e do Paulo e também amiga deles. É uma continuidade bonita. Existe uma coisa que eu acho que é muito especial no nosso trabalho: essa multiplicação de possibilidades. E um ator fica muito contente, vibra quando vê o trabalho do outro. Fernanda viu nossas primeiras cenas e estava visivelmente emocionada. Dizia que, na primeira versão, não havia tantas condições técnicas. Resumindo, existe, sim, a responsabilidade. Mas vem abonada por um carinho e um afeto muito grande. Me dá a chance de fazer a minha Charlô.

OF – Você vive uma personagem bastante aventureira. Como funcionam essas cenas? Precisou fazer alguma coisa relacionada às sequências de ação?

IR – Esse ponto é divertido porque nunca vivi isso em um personagem. Pelo menos, não que eu me lembre. Mas não mudou meu trabalho. Não precisei fazer ou aprender nada de novo em relação a isso. Nem teria como. Aos 68 anos, eu não iria me aventurar desse jeito!

OF – As diferenças entre homens e mulheres na sociedade têm diminuído nas últimas três décadas, época em que a primeira versão foi exibida. Você acha que esse ainda é um tema recorrente?

IR – As mulheres ainda continuam sua luta. Hoje, esses casos que nós temos, como de mulheres presidentes de países, são minoria. Não precisa ir longe para ver que a mulher ainda tem de romper barreiras. No nosso próprio país elas são assassinadas porque buscam um pouco de independência. Basta sair do eixo Rio-São Paulo ou de qualquer outra capital que ainda estamos em segundo, terceiro, quinto plano. Em diversas cidades as mulheres ainda não têm os mesmos salários que os homens, mesmo com funções iguais ou tendo o mesmo currículo. Há locais em que o homem fala pela mulher, escolhe por ela. Hoje, até é vendida uma imagem da mulher que aparentemente é de liberdade, de mulheres que se exibem, mas isso é o contrário, é uma prisão em retrocesso.

OF – Você já se sentiu inferior a um homem na sua profissão?

IR – Sim. E estamos falando de uma área que tem uma vantagem muito grande: os papéis femininos são feitos por mulheres. A não ser em casos excepcionais, onde propositalmente o papel foi criado para ser feito por um homem. Mas não é por se tratar da classe artística que a coisa funcione de outra forma. Isso já diminuiu bastante, mas não sumiu.

OF – Nesse caso, você acredita que existe um papel social no remake de Guerra dos Sexos?

IR – Eu aprendi que, se você quiser, tudo depende do seu olho. Já vi vários programas de humor, como o Casseta & Planeta Urgente!, por exemplo, que fazia sátiras sociais e políticas fortes e inteligentíssimas. Mas aí você tem aquelas pessoas que só viam aquilo como comédia e as outras que enxergam alguma mensagem por trás.

OF – Mais uma vez, você divide cenas com o Tony Ramos. Conhecer tão bem seu principal par na novela facilita o trabalho?

IR – Eu e Tony nos conhecemos há muitos anos mesmo. Conheci o Tony quando ele ainda era solteiro. Trabalhamos juntos na TV Tupi e somos amigos. Meu marido e a esposa dele, inclusive, são amigos também. Isso é, sim, facilitador. Mas o que eu acho que é mais importante nesse encontro é que temos o mesmo tipo de humor.

OF – O humor é o gênero onde você se sente mais confortável? 

IR – Bom, eu sou uma atriz, interpreto personagens. É o que temos para hoje, é assim o nosso trabalho. Mas o humor já me salvou de várias situações na minha vida. Ele é uma arma. Não adianta forçar, mas o fato de não se levar muito a sério ajuda. Não tenho vocação para amargura ou grandes dramas na minha vida pessoal. Não quer dizer que não aconteçam. Mas, quando aconteceram, entendi que eram para acontecer mesmo. E comigo, não com você. Era a parte que me cabia nesse latifúndio. O humor é companheiro da inteligência, ele salva. Isso não foi algo que eu busquei, mas que herdei. Venho de uma família assim, divertida. Tenho muito espaço para gargalhada em casa.

OF – Você sente receio de comparações entre você e a Fernanda Montenegro, por desempenharem praticamente o mesmo papel?

IR – A comparação, a meu ver, é inevitável. Esse papel foi feito, na minha opinião, pela maior atriz do Brasil. A Fernanda é minha amiga e me sinto abençoada por ter sido escolhida dessa vez. Mas comparações existem em tudo. E a gente só sabe mesmo o resultado quando a cortina se abre. Só vou descobrir se estou fazendo jus à responsabilidade no decorrer dos capítulos.

OF – Você já participou de outros remakes no SBT, incluindo Éramos Seis, que você protagonizou. É diferente sua forma de trabalhar quando se trata de uma releitura de algum sucesso?

IR – Não chega a ser diferente, mas a vantagem é que se trata de uma boa novela, ou então não iriam refazer. E que muita gente nem viu. Algumas pessoas não sabem do que se trata, nem ouviram falar ou eram muito crianças. A Luana Piovani, que trabalha comigo, por exemplo, era menina e via com a mãe dela. Acho que uma boa história merece ser contada e recontada. Assim como uma má história, na minha opinião, deveria ser retirada do ar depois do segundo mês.

OF – Vocês já gravaram a cena clássica da guerra de comida entre os personagens. Como foi?

IR – Trata-se de uma cena transformadora na televisão brasileira por ser inusitada, arrojada, diferente. Lógico que ficamos muito emocionados. Mas correu, dentro do que é possível, de forma boa e tranquila. Se é que podemos chamar de tranquilo você receber um pote de iogurte no meio da cara. Você fica sem enxergar. Eu ouvia a voz do Tony, mas não tinha mais noção de onde ele estava. Foi muito engraçado porque tinha iogurte, gelatina, café, suco de laranja e outras coisas. Sendo que o café e o suco batem e descem direto. Mas o iogurte não, ele desce lentamente e entra pelos olhos. Você limpa do olho, mas ele continua descendo. E eu não sou muito boa de pontaria, ainda mais sem enxergar, com aquela cortina de iogurte na frente. Saí perfumada. O Tony é muito peludo, então ele disse que tinha muita cerejinha e framboesa nos pêlos dele…

OF – Nos últimos anos, a televisão tem se tornado mais presente na sua vida. Por quê?

IR – Foi um período em que pude me dedicar mais e aceitar um contrato. Antes eu não poderia, por conta dos meus compromissos como produtora, atriz e diretora de teatro. Eu ficava muitos anos em cartaz. Quatro com uma peça, três com outra… E sempre viajando pelo país. Não dava para me comprometer tanto com a tevê.

OF– Se arrepende de não ter se dedicado mais à tevê e menos ao teatro? 

IR – Não. Minha trajetória em teatro é o meu xodó, meu tudo! Fiz o que deveria ser feito, não me arrependo de nada. E o público é sempre muito carinhoso comigo.

OF – O que você costuma ouvir nas ruas?

IR  – Cada vez mais as pessoas me param e conversam. Acho que esse retorno cresceu um pouco pelo afeto e também pelos personagens de humor que fiz. É muito bonita a forma como o público vem. E eu continuo fazendo as minhas coisas. Como ir ao supermercado, por exemplo. E não estou falando de mercado chique, eu vou ao popular mesmo. Isso facilita também o contato. Uma vez ouvi algo bonito de uma mulher. Ela disse que o que sentia a meu respeito era que eu era uma delas que deu certo. E eu respondi que elas também deram certo. Eu só fiquei conhecida.

A cara da riqueza

Uma semelhança entre Charlô e Clô, personagem que Irene interpretou em Passione, é a fortuna da família. Mesmo assim, a atriz consegue pontuar uma diferença que enxerga nas duas e que, segundo ela, foi fundamental para estabelecer as diferenças.

"Charlô tem um anel, mas muito bom. A Clô teria vários. Com a Charlô, preciso transitar pelos espaços mais elegantes e caros com naturalidade, sem ostentações", compara.

 Apesar do figurino luxuoso e dos cenários repletos de peças valiosas, Irene garante que essa onda de papéis mais abastados não mexe com sua vaidade. Aos 68 anos, ela assume que até vem se cuidando mais. Porém, apenas porque agora percebe que não pode mais fazer coisas que, antes, seu jeito alheio à fama e aos flashes permitia.

"Não dá para sair de casa de cara lavada, como sempre fiz. Ultimamente, tenho procurado me arrumar um pouco melhor. Mas acho que não tem a ver com o trabalho. Se bem que eu confesso: é gostoso estar no meio de tantas coisas bonitas e de qualidade", entrega.

Vale a pena ver de novo

Com a onda de remakes que se instaurou na tevê, Irene não vê a hora de poder assistir às releituras de diversas novelas que a marcaram no passado. Uma delas é Saramandaia, já confirmada como a próxima novela das 23 horas da Globo em 2013. Mas outro folhetim, segundo Irene, deveria ser regravado. Ou, pelo menos, reexibido na televisão. Trata-se de Brega & Chique, escrita por Cassiano Gabus Mendes e transmitida em 1986, pela Globo.

"Fico imaginando o que seria ver um monte de histórias que foram gravadas antes sendo refeitas hoje, com essa tecnologia incrível que a gente tem. Acho que vale muito a pena pensar mais sobre isso", avalia.

Trajetória Televisiva

# "Paixão de Outono" (Globo, 1965).

# "Eu Compro Esta Mulher" (Globo, 1966).

# "O Grande Segredo" (Excelsior, 1967) – Zuleika.

# "Sublime Amor" (Excelsior, 1967) – Gina.

# "Beto Rockfeller" (Tupi, 1968) – Neide.

# "Super Plá" (Tupi, 1969) – Majô Prado.

# "Simplesmente Maria" (Tupi, 1970) – Inez.

# "Na Idade do Lobo" (Tupi, 1972) – Cláudia.

# "A Volta de Beto Rockfeller" (Tupi, 1973) – Neide.

# "O Machão" (Tupi, 1974) – Dinorá.

# "A Viagem" (Tupi, 1975) – Estela.

# "O Profeta" (Tupi, 1977) – Tereza.

# "Cara a Cara" (Bandeirantes, 1979) – Zeni.

# "Sol de Verão" (Globo, 1982) – Rachel.

# "Champagne" (Globo, 1983) – Antonia Regina.

# "Sassaricando" (Globo, 1987) – Leonora.

# "Éramos Seis" (SBT, 1994) – Lola.

# "Sangue do Meu Sangue" (SBT, 1995) – Princesa Isabel.

# "Razão de Viver" (SBT, 1996) – Luzia.

# "Suave Veneno" (Globo, 1999) – Eleonor.

# "Marcas da Paixão" (Record, 2000) – Dete.

# "A Casa das Sete Mulheres" (Globo, 2003) – Madalena.

# "Belíssima" (Globo, 2005) – Katina.

# "Amazônia – De Galvez a Chico Mendes" (Globo, 2007) – Beatriz.

# "Eterna Magia" (Globo, 2007) – Loreta.

# "Faça Sua História" (Globo, 2008) – Nadir.

# "Tudo Novo de Novo" (Globo, 2009) – Letícia.

# "Passione" (Globo, 2010) – Clô.

# "A Mulher Invisível" (Globo, 2011) – Vera.

# "Guerra dos Sexos" (Globo, 2012) – Charlô.
 

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