Lázaro Ramos: “O tipo de humor que eu gosto de fazer é bobo”

Por - 03/03/13 às 11:01

Pedro Paulo Figueiredo / Carta Z Notícias

A tranquilidade de Lázaro Ramos chama a atenção no meio do clima de correria que está a vida do ator. Entre as gravações das cenas finais de Lado a Lado, ele ainda encontra tempo para produzir a peça infantil A Velha Sentada e dirigir seu programa Espelho, do Canal Brasil. E, mesmo com a exaustão estampada em seu semblante, Lázaro se mostra entusiasmado com todos os projetos.

Não é à toa que, na pele do heróico Zé Maria no folhetim assinado por João Ximenes Braga e Claudia Lage, demonstra, mais uma vez, originalidade na hora de compor seus papéis. Na trama de época, o personagem é filho de ex-escravos e luta contra o preconceito racial e as injustiças enfrentadas pela população carente no Brasil do início do século XX. Mas que, apesar de possuir ideias progressistas em relação ao tempo em que vive, também tem dificuldades para aceitar sua amada Isabel, de Camila Pitanga, sendo mãe de um filho de outro homem. Um mocinho dbio atormentado por suas contradições.

"Zé Maria é um personagem que, mesmo sendo herói, tem camadas até de incoerência que me alimentam como ator", reflete. 

Natural de Salvador, na Bahia, Lázaro atua desde sua infância. Depois de passar por diferentes cursos de teatro em sua cidade natal, ele foi aceito no renomado Bando de Teatro Olodum. Em 2000, ao estrelar a peça A Máquina, de João Falcão, começou a ter seu nome reconhecido entre diretores. Essa foi a deixa que o baiano precisou para entrar na tevê. Sua primeira participação em uma produção exibida em âmbito nacional foi com a minissérie "Pastores da Noite", onde interpretou o nobre Massu. Desde então, Lázaro vem emendando inúmeros trabalhos. Entre os mais populares estão: Fred/Priscila em Sexo Frágil, Foguinho em Cobras & Lagartos e Roque em Ó Paí Ó.

"Eu sempre busquei a diversidade de universos nos papéis em que aceitei, por isso fiz personagens tão distintos", compara.

Lázaro Ramos: "O tipo de humor que eu gosto de fazer é bobo"Faceta infantil
Além de atuar em peças, longas e produções televisivas, Lázaro Ramos se dedica à autoria de livros voltados para o público infantil. Até agora o ator já lançou duas de suas obras literárias: Paparotas e A Velha Sentada. Os títulos, inclusive, já viraram espetáculos teatrais. E apesar de terem sido publicados recentemente, são projetos de longa data.

"Eu sempre me identifiquei com o universo infantil. Escrevi o livro Paparotas no ano 2000, antes de entrar para a tevê", relembra.

Essa proximidade com os temas lúdicos ressaltados pelas crianças sempre esteve presente nas criações de Lázaro, além de ser visível também em sua personalidade. Sem saber exatamente o que lhe atrai para essa área, ele acredita que seu universo criativo seja de fato infantil.

"Como ator, eu não sei se mostro tanto esse meu lado lúdico, mas a minha cabeça é assim. O tipo de humor que eu gosto de fazer é bobo, meus amigos sabem. Até minhas piadas são infantis", explica.

Outro olhar


Desde 2006, Lázaro vem apostando em um futuro atrás das câmaras. O programa de debates Espelho, centrado em questões sociais e políticas, foi sua primeira experiência como diretor e já está em sua oitava temporada no Canal Brasil. E ele não parou por aí. Até agora, já passaram por suas mãos quatro produções. Um documentário intitulado Zózimo Bulbul, e três espetáculos teatrais: Namíbia. Não! e os infantis Paparotas e A Velha Sentada.

"Como ator, você defende o sonho do outro como se fosse seu. Sendo diretor, você tem a possibilidade de pedir para os outros sonharem com você o seu sonho", filosofa. 

O Fuxico: Seu contato com a atuação começou cedo. Ainda criança, você já fazia participações em produções de um canal local da Bahia. De onde surgiu esse interesse pela interpretação?

Lázaro Ramos: Quando eu era criança, era mais fácil eu recitar um verso em homenagem à minha mãe em frente à turma toda da escola, por exemplo, do que chegar em casa e dizer: "mãe, eu te amo". Então, a filha da diretora do colégio onde eu estudava, que trabalhava em um canal local chamado TV Itapoã, começou a me convidar para fazer esquetes como uma criança conversando com o Papai Noel. Isso em 1988, quando eu tinha 10 anos. Acabei me apaixonando por aquilo.

OF: E você procurou se especializar em Artes Cênicas? 

LR: Na verdade, como era a minha entrada no segundo grau, eu fingi que queria fazer um curso técnico de Patologia Clínica para o meu pai deixar eu me matricular na escola pública Centro Integrado de Educação Anísio Teixeira, que tinha aulas de teatro na grade curricular. Na época, meu pai não entendeu nada porque eu nunca tinha demonstrado interesse por biologia antes. No fim das contas, acabei até exercendo a profissão de técnico em patologia, mas para me sustentar enquanto eu tentava emplacar minha carreira como ator.

OF: Antes de fazer sucesso na tevê, você também integrou o Bando de Teatro Olodum, renomado grupo baiano. Como surgiu o convite para fazer parte dele?

LR: Eu e meus amigos fomos nos inscrever em uma oficina de teatro com o Olodum que custava R$ 5. Na hora eu desisti porque pensei que, com o mesmo valor, eu poderia comprar lanches na escola por dois dias. Então, me bateu um arrependimento e acabei participando da oficina. Me apaixonei pelo grupo e quis continuar. Como eu era adolescente, entrei para um projeto paralelo deles voltado para jovens. Só que eu não me identificava com as questões que eles discutiam, coisas como "meu pai não me deixa chegar tarde em casa". Então, pedi para ser estagiário no Bando de Teatro Olodum. Eles permitiram e, quando completei a maioridade, entrei de fato para o grupo. Hoje, afetivamente, ainda me considero parte deles.

OF: Você começou a ser reconhecido no cenário teatral depois que estreou com a peça A Máquina, de João Falcão. Como foi essa experiência? 

LR: Eu, Wagner Moura e Vladimir Brichta (os três participaram juntos da peça) pegamos um teatro muito forte que aconteceu entre o fim da década de 1980 e o começo da década de 2000. Nessa época, a efervescência nos palcos era tamanha que na Bahia a gente tinha mercado de trabalho, as pessoas conheciam a gente e a cena teatral era muito fortalecida. E A Máquina foi um divisor de águas em nossas carreiras. Ampliou o que já acontecia com a gente na Bahia e nos possibilitou vir para o Sudeste e conseguir outros trabalhos. Para se ter uma noção, já no primeiro mês do espetáculo em cartaz no Rio de Janeiro, nós três fomos chamados para testes em vários lugares. 

OF: A peça de João Falcão abriu as portas para você estrear no cinema com Madame Satã e depois na tevê com o personagem Massu, da minissérie Pastores da Noite. Você sempre almejou uma carreira televisiva?

LR: Quando entrei para a televisão, eu estava muito inseguro, não sabia se me adaptaria ao meio. Porque era uma outra maneira de trabalhar que eu não tinha exercitado no teatro, nem no cinema. Felizmente, meu primeiro trabalho na tevê, a minissérie Pastores da Noite, foi com um amigo, Sérgio Machado, que eu conheci quando protagonizei o longa Madame Satã, que ele dirigiu. 

OF:  Já em seu segundo trabalho na tevê, na série Sexo Frágil, você reencontrou seus companheiros de palco de A Máquina. E também voltou a trabalhar com João Falcão. Isso o fez se sentir mais seguro para atuar na tevê?

LR: Trabalhar com amigos trouxe conforto para o ambiente. Mas Sexo Frágil foi uma gincana extremamente trabalhosa. Eu ainda estava estreando na televisão e já tinha de aprender a trabalhar com uma técnica onde eu contracenava comigo mesmo (com os diferentes personagens Fred e Priscila). Além de decorar textos que tinham uma elaboração exata, que não podia ser alterada. Então, essa série foi uma faculdade de televisão para mim. 

OF: Essa insegurança que você sentiu no começo da sua carreira televisiva também teve a ver com o medo de ficar relegado a papéis marginais ou menos importantes pelo fato do negro ainda ter pouco espaço no meio artístico?

LR: Como o cinema foi muito generoso comigo, me dando personagens incríveis, como nos filmes Madame Satã, O Homem que Copiava e Cidade Baixa, eu não sabia se a televisão me daria espaço para os personagens dos meus sonhos. 

OF: E que personagens seriam esses?

LR: Eu sempre sonhei em interpretar personagens como o próprio Zé Maria, de Lado a Lado, ou o Foguinho, de Cobras & Lagartos. E, felizmente, eu peguei um momento de transformação da televisão que começou através de um posicionamento do público. Nessa última década, os telespectadores mostraram que queriam a diversidade sendo retratada. Como? Dando a uma novela como Da Cor do Pecado o recorde de audiência da década, que só foi quebrado agora pelo folhetim Cheias de Charme, que também dialoga com essa transição, entre outras produções nessa linha que fizeram sucesso, como Cidade dos Homens, Cidade de Deus e Cobras & Lagartos.

OF: A novela Lado a Lado também foi inovadora, já que mostrou um período pouco retratado da história brasileira através de personagens libertários. Como você encara essa abordagem da trama de João Ximenes Braga e Claudia Lage?

LR: A gente ainda conhece muito pouco da história do negro no Brasil. E retratar isso em um meio que alcança vários tipos de público é muito gratificante. O episódio da Revolta da Chibata, por exemplo, que foi encenado de forma didática até na novela, era pouco conhecido pelas pessoas em geral. Depois que as cenas foram ao ar, vinham me perguntar se aquilo realmente tinha acontecido no nosso país. 

Trajetória Televisiva

# "Pastores da Noite" (Globo, 2002) – Massu.

# "Carandiru, Outras Histórias" (Globo, 2004) – Ezequiel.

# "Sexo Frágil" (Globo, 2004) – Fred / Priscila.

# "Programa Novo" (Globo, 2004) – Fred / Priscila.

# "Levando a Vida" (Globo, 2005) – Formiga.

# "Cobras & Lagartos" (Globo, 2006) – Foguinho.

# "Duas Caras" (Globo, 2007) – Evilásio Caó.

# "Ó Paí Ó" (Globo, 2008) – Roque.

# "Decamerão – A Comédia do Sexo" (Globo, 2009) – Monge Masetto.

# "Ó Paí Ó" (Globo, 2009) – Roque.

# "Dó-Ré-Mi-Fábrica" (Globo, 2009) – Ludovico / Arquimedes.

# "Insensato Coração" (Globo, 2011) – André Gurgel.

# "Lado a Lado" (Globo, 2012) – Zé Maria.

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