Luis Melo: “Me alimento de referências que já estão na história”
Por Redação - 04/08/13 às 18:03
O semblante sério e o olhar denso de Luis Melo dizem muito sobre a forma como ele encara cada novo trabalho. Disciplinado e dono de uma extensa formação teatral, o ator, em pouco tempo, conquistou também renome e prestígio na televisão. Para comprovar isso, basta analisar seu currículo e ver a diversidade de diretores e autores que o querem em seus elencos. Assim como a assiduidade da imagem de Luis na tela da Globo, onde, atualmente, aparece na pele do desmemoriado Atílio, personagem importante para as risadas e os mistérios de Amor à Vida.
"Tenho emendado uma novela na outra, mas é porque quero. Minha relação com a Globo é de respeito e não de imposição", garante.
Amor à Vida é o 27º trabalho de Luis na emissora – onde está desde Cara & Coroa", novela exibida há exatos 18 anos. E marca o quarto encontro do ator com o texto de Walcyr Carrasco, de quem fez O Cravo e A Rosa, A Padroeira, e, mais recentemente, Morde & Assopra.
"Walcyr sempre me chama para papéis que me motivam. Em O Cravo e A Rosa, me escalou para um tipo cômico quando todo mundo só me queria como vilão. E, na novela atual, me deu um papel duplo, difícil, mas que me dá muitas possibilidades", valoriza o ator de 55 anos.
Natural de Curitiba, capital do Paraná, Luis quase sempre é associado e convidado a viver tipos mais complexos. É por isso que o trabalho dobrado para a atual novela das nove em nada assusta o ator. Na trama, o sisudo Atílio perde a memória e assume a identidade do popular Gentil. Mas, em vez de construir cada personagem de forma pré-definida, se colocou a serviço do roteiro e de sua intuição.
"Cada cena e situação dos meus personagens me envolve e me diverte de um jeito diferente", destaca o ator, que, paralelamente ao trabalho na tevê, está em cartaz com Ausência, peça concebida com o grupo de teatro Dos à Deux.
"É cansativo, mas adoro conciliar a tevê e o teatro", assume.
Fama de mau
De presença forte e larga experiência em personagens mais densos, Luis Melo assume que sempre o procuram para papéis de vilões. Na tevê, além de ter feito muitas maldades na pele do Molina de A Padroeira, de 2001, e do Dimas de Amor Eterno Amor, de 2012, o ator já personificou, inclusive, o próprio Diabo, em O Auto da Compadecida, microssérie de 1999.
"Os vilões são sempre fascinantes. Eles comandam a ação e acabam despertando a paixão do público. Sempre que faço maldades na tevê, o retorno é imediato", garante.
Para Luis, boa parte desse encantamento do telespectador com os malvados da ficção é um reflexo da própria vida.
"É uma tendência. Ninguém quer ser o coitadinho. Mocinhos são, geralmente, muito chatos", diverte-se o ator, que, para não cair na caricatura ou no óbvio, sempre busca humanizar, entender e, se possível, defender as atitudes pouco ortodoxas de seus tipos dentro das novelas.
"Tento sempre encarar pelo viés de quem está assistindo. Para crer no que está vendo, o público quer entender as vilanias. Então, é preciso matar, roubar, fazer o que for, mas justificando o que está por trás dessas atitudes", esclarece.
Na origem
Depois de anos didivido entre Rio de Janeiro e São Paulo, Luis Melo voltou a morar no Paraná na virada dos anos 2000. Além de ser um lugar mais tranquilo, o retorno do ator às origens tem forte apelo artístico.
"Curitiba sempre teve uma linguagem teatral muito plural e isso estava se perdendo", conta o ator, que, nessa época criou o ACT – Atelier de Criação Teatral – um espaço para pesquisa e surgimento de novos projetos.
"O ACT cresceu e o teatro paranaense começou a ser visto. Além da minha iniciativa, nomes como Márcio Abreu e Felipe Hirsch também tiveram visibilidade. Foi um movimento importante", gaba-se.
Atualmente, Luis dedica-se a um de seus projetos mais ambiciosos: o Campo das Artes, localizado na mesma pequena cidade onde reside, São Luiz do Purunã, a 40 quilômetros da capital.
"Estamos em obras, mas trata-se de um local de residência artística e intercâmbio cultural. É ideal para florecer espetáculos oriundos da interação de ideias e convivência. Feito a partir do coletivo e de forma intensa", resume.
O Fuxico: Em Amor à Vida, Atílio perdeu a memória e, por conta disso, apresenta mais de uma personalidade. Essas nuances do personagem o pegaram de surpresa ou tudo já estava previsto na sinopse da novela?
Luis Melo: Ainda bem que me avisaram antes (risos). Tudo o que já aconteceu com Atílio estava na sinopse e foi exatamente o que me levou a aceitar o trabalho. Além, é claro, de estrear sob a direção do Mauro Mendonça Filho e voltar a trabalhar com o Wolf (Maya, diretor de núcleo) e com o Walcyr (Carrasco, autor), o Atílio é bem o tipo que eu gosto de interpretar.
OF: Por quê?
LM: Porque ele é multifacetado, não me limita artisticamente. É um, mas parecem dois ou até mais personagens. Isso é de uma riqueza enorme para o ator. Quando recebi o convite para a novela, ele foi me apresentado como Atílio, o desmemoriado. E o Mauro foi me falando que por boa parte da trama ele teria duas vidas, contendo duas famílias e que, além de estar no eixo central da novela, as complexidades do personagem surgiriam da dvida dele entre universos distintos, vivendo entre a sisudez de um diretor de hospital e a malandragem bem-humorada de um sujeito mais popular.
OF: Em cena, os personagens se comportam de modo bem antagônico. Você recorreu a dois processos de composição para este trabalho?
LM: Não costumo chegar com nada pronto. Não tiro conclusões e nem fecho possibilidades. Procuro estar disponível e vou trabalhando conforme a dramaturgia vai se contando. Já tinha em mente que os personagens teriam diferenças brutais, mas esperei o momento disso ser colocado na novela. Só atentei em como seria o Gentil quando me veio o texto e comecei a provar o figurino mais popular. Eu me alimento de referências que já estão na história, não preparei nada. Até porque, na realidade, a personalidade que o Atílio assumiu desconhecia qualquer referência anterior. Quis passar isso para o vídeo. Criei a partir do vazio e de um olhar observador dentro de um panorama totalmente feminino.
OF: Como assim?
LM: Assumindo a identidade de outro, o Atílio foi jogado naquele universo da Márcia (Elizabeth Savalla) e da Valdirene (Tatá Werneck). Ele não tem lugar nem para as coisas dele dentro daquele universo compartilhado por uma ex-chacrete e uma "periguete". E ele está ali, sentado naquele sofá de oncinha, ouvindo duas mulheres que não param de falar. Tentando se adaptar e ressurgir a partir daquilo. Então, ele interage com aquele ar de estranhamento e um gestual mais lento. A movimentação física dos meus personagens é sempre muito importante.
OF: É como você os diferencia?
LM: Sim, é o que exprime o comportamento deles. Faço, em Amor à Vida, um trabalho muito próximo do que estou fazendo, atualmente, no teatro. Ausência é um espetáculo que não tem texto, é totalmente gestual. As pessoas perguntam: "É mímica?". Não, é teatro. É como se as ações se desenvolvessem sem a necessidade da palavra. Na novela, o passo, os braços, as mãos, tudo no Atílio fala sobre um homem que perdeu a memória e suas referências. Ele tem uma postura mais lenta porque não sabe muito bem onde está. As dúvidas, medos e tristezas refletem no ritmo corporal do personagem.
OF: Você se diverte mais interpretando a faceta rica e compenetrada ou a mais popular do personagem?
LM: Gosto de fazer as duas partes. É claro que, quando Atílio vira Gentil, tudo fica muito mais solto e livre. Até o clima nos bastidores muda e ganha leveza. Por outro lado, é muito instigante viver a amargura do único personagem que sabe quem realmente é o principal vilão da trama. Só ele sabe das vilanias do Félix (Mateus Solano). Sei aproveitar e me divertir com o melhor desses mundos.
OF: Amor à Vida é seu 27º trabalho na Globo e nota-se que você já passeou por diversos núcleos e equipes dentro da emissora. Essa diversidade de trabalhos é uma busca sua ou isso, simplesmente, acontece?
LM: Isso parte muito de mim. Eu procuro fazer isso também no teatro, por exemplo. Conhecer novos diretores e não me tornar fixo em nenhum núcleo é uma forma de estar sempre suscetível a novas possibilidades e ter outras experiências com criadores e realizadores diferentes. É uma chance também de variar em formatos e linguagens. Gosto de fazer novela, mas acho fundamental a emissora procurar e investir em outras ferramentas para a teledramaturgia, como são os folhetins de até 80 capítulos ou as microsséries de quatro episódios. Ao mesmo tempo, é também muito legal reencontrar amigos antigos e trocar novas impressões.
OF: Wolf Maya, diretor de núcleo da atual novela das nove, o dirigiu em seu trabalho de estreia na tevê, Cara & Coroa, de 1995. Qual a sua principal lembrança dessa época?
LM: É um trabalho pelo qual tenho muito carinho. Estreei como o Rubinho, um personagem importante para a trama, e o Wolf comprou uma briga para me ter no elenco. Primeiro, ele teve de convencer a cpula da Globo a colocar um sujeito desconhecido do grande pblico na pele de um dos protagonistas. E se estressar com o Antunes Filho, diretor do Centro de Pesquisa Teatral e do Grupo Macunaíma, do qual eu fazia parte na época e estava em plena temporada.
OF: Foi difícil se adaptar ao esquema industrial da tevê logo no trabalho de estreia?
LM: Eu estava cru, mas, por sorte, tive muita liberdade. O Wolf e a equipe dos bastidores sabiam que eu não dominava a linguagem televisiva e me ajudaram muito, falavam que era para eu ficar tranquilo que a câmara iria atrás de mim. Na época, eu gravava muito e ainda estava envolvido com o teatro e a produção sempre dava um jeito de organizar meus horários da melhor forma. Me senti acolhido por todo mundo e sentia que a equipe queria que eu passasse por aquele teste sem grandes traumas. E foi o que aconteceu.
OF: Você sempre esteve associado a espetáculos teatrais de caráter alternativo e de vanguarda. Antes de Cara & Coroa, nutria algum preconceito com a tevê?
LM: Não. Sempre tive em mente que a televisão nunca deixaria de existir. Que era algo que, em algum momento, iria acontecer na minha vida. Só acho que o ator deve conter sua ansiedade em relação à tevê porque ela não vai resolver a sua vida. É bacana aproveitar as oportunidades mais comerciais sim. Ao mesmo tempo em que atuar é pesquisar e se aprofundar em campos mais ricos, em clássicos, em linguagens diferenciadas. Eu investi na minha formação e na solidifação da minha carreira. Acho que é por isso que usufruo muito bem da tevê, pois entrei no momento certo.
OF: Você está sempre envolvido com algum projeto teatral. Como faz para conciliar sua preferência pelos palcos com os convites e escalações de elenco que o contrato com a Globo lhe impõem?
LM: Eu respeito muito meu contrato com a emissora. Da mesma forma com que ela respeita meu interesse pelo teatro. Desde que estreei, não saí mais do ar. Todo ano, estou escalado para alguma coisa na Globo, só que eles avaliam bem qual projeto vão me apresentar. Antes de Amor à Vida, por exemplo, outros convites já tinham sido feitos, mas eles entendem quando digo "sim" ou "não" a uma produção.
OF: Atualmente, você está em TV e teatro, com Ausência. Você negociou com a produção da novela algum esquema especial de gravação?
LM: Com certeza. Eu aceitei o convite e coloquei minhas condições. Não gravo aos sábados e domingos, dias em que faço a peça. Amor à Vida é minha terceira novela seguida. Achei que fosse descansar da tevê, fui chamado novamente e gostei do convite, mas quis deixar claro que eu tinha outros compromissos. Faço as duas coisas com muito prazer. O que mais me incomoda é o deslocamento e a falta que sinto da minha casa, em São Luiz do Purunã, interior do Paraná. Mas, se não valesse a pena, não estaria fazendo.
Trajetória Televisiva
# Cara & Coroa (Globo 1995) – Rubinho.
# Anjo Mau (Globo, 1997) – Mller.
# O Amor Está no Ar (Globo, 1997) – Alberto.
# Pecado Capital (Globo, 1998) – Ricardo.
# Hilda Furacão (Globo, 1998) – Padre Ciro.
# Suave Veneno (Globo, 1999) – Ramalho.
# O Auto da Compadecida (Globo, 1999) – Diabo.
# O Cravo e A Rosa (Globo, 2000) – Batista.
# A Invenção do Brasil (Globo, 2000) – Vasco de Athaíde.
# A Muralha (Globo, 2000) – Manuel.
# A Padroeira (Globo, 2001) – Molina.
# A Casa das Sete Mulheres (Globo, 2003) – Bento Manuel.
# Um Só Coração (Globo, 2004) – Cândido Portinari.
# América (Globo 2005) – Ramiro.
# Cobras e Lagartos (Globo, 2006) – Orã/Conchita.
# JK (Globo, 2006) – Coronel Licurgo.
# Eterna Magia (Globo, 2007) – Rafael.
# Faça Sua História (Globo, 2008) – Nicanor.
# Casos e Acasos (Globo, 2008) – Linhares.
# Cinquentinha (Globo, 2009) – Joaquim.
# A Princesa e O Vagabundo (Globo, 2010) – Conde Graco de Lafayette.
# A Vida Alheia (Globo, 2010) – Delano.
# Na Forma da Lei (Globo, 2010) – João Carlos.
# Chico Xavier (Globo, 2011) – João Cândido.
# Morde & Assopra (Globo, 2011) – Oséas.
# Amor Eterno Amor (Globo, 2012) – Dimas.
# Amor à Vida (Globo, 2013) – Atílio.
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