Mariana Sena sobre racismo na dramaturgia: ‘Existe muito e é uma luta diária’
Por Redação - 25/06/20 às 21:00
Há algumas semanas, o racismo é uma pauta muito debatida mundialmente, ainda mais após a morte do segurança George Floyd, nos Estados Unidos, e a atriz Mariana Sena, que está na série Todas as Mulheres do Mundo, da Globoplay, e Segunda Chamada, da Globo, contou a OFuxico que sua luta antirracista está presente em tudo o que faz.
“É impossível eu dissociar de mim, a minha luta antirracista. Meu corpo, minha fala, tudo imprime que eu sou uma mulher preta, então eu me ausentar disso não é uma escolha que eu faço. Muito pelo contrário. A gente vive isso a vida inteira”, afirmou.
Mariana ainda falou do retorno do Black Lives Matter, que teve o estopim em 2013, e acredita que isso só teve uma repercussão enorme por conta do engajamento de pessoas brancas da grande mídia na causa.
“É muito necessário esse retorno do movimento como uma manifestação, uma reivindicação de direitos, inclusive isso demorou para acontecer. Felizmente, o que fez esse movimento vir mais à tona, foram algumas pessoas brancas se associarem a ele e principalmente pessoas da grande mídia. Esse movimento nunca parou, porque a gente vê essas pessoas morrendo cotidianamente, perdendo possibilidades e oportunidades de vida, porque são pessoas pretas. Isso está presente no meu trabalho em todo momento, já que, para mim, a arte é mostrar, por meio de sua criatividade, a sua perspectiva de mundo. E, para um artista preto, é impossível não mostrar a luta antirracista em seu trabalho. E fora da arte, fazemos isso na vida desde sempre né”.
E já que estamos falando do mundo artístico, Mariana Sena não teve papas na língua em dizer que o racismo ainda é muito presente dentro da dramaturgia.
“Existe muito (racismo), se eu falar que não existe, eu vou estar mentindo muito. Primeiro, ele existe quando a gente trata a falta de representatividade como uma pauta ganha, porque isso acontece muito. Eu fico incomodada, quando as pessoas acham isso, que mudou porque tem mais dois ou três pretos na mídia. E isso não é verdade”, reclamou.
Mariana ainda elogiou a série Segunda Chamada neste sentido, mas fez o alerta dizendo que isso não significa que ela é a série mais representativa que existe.
“Isso só não vivenciei na Segunda Chamada, porque ela tematiza bastante os desprivilegiados, as pessoas que estão em busca de mudança e é um trabalho que pensa na representatividade em um outro viés. Não digo que ela é a série mais representativa, porque isso não se mede pela quantidade de pessoas pretas trabalhando no set de filmagem, embora isso influencie. Mas quando você entre em um set de filmagem, ou um palco e só tem você de ator preto ali, isso pode não ser um racismo escancarado, mas é uma réplica do sistema racista, porque infelizmente ainda não é muito cogitado atores pretos para papéis que não tematizem a racialidade, como se tematiza em outros ambientes”, afirmou.
“Muita gente acha que representatividade é a quantidade de atores pretos em um projeto, mas aí eles estão desempenhando papéis, que não são papéis que culminem em uma discussão sobre essa presença, que não levantem essa perspectiva em outro imaginário do que aquela pessoa preta pode viver”, disse.
Ela ainda lamentou o fato de atores brancos, que trabalham há muito na arte, e não levantaram a bandeira de uma forma maior.
“Como o ator fica 20, 30 anos em um set ou uma empresa, olha ao seu redor e não para pra pensar que aquelas pessoas não representam o Brasil? São as mesmas pessoas que interpretam os mesmos papéis com ele ou ela há tantos anos e que nenhuma delas é preta e que as únicas pretas no set são a empregada, o bandido, e aí vira de costas e vê que as pessoas pretas são da maquinaria ou da limpeza. Então, isso existe em todos os setores profissionais do Brasil”, afirmou.
Para Mariana, a evolução dos negros na dramaturgia ainda está engatinhando e muita coisa ainda precisa ser feita para que seja uma “evolução de fato”.
“Eu acredito que para ser evolução tem que ser em maior quantidade. Eu acredito mesmo é que há uma banalização com essa representatividade, onde alguns projetos destinam um lugar para o ator preto em uma produção cheio de atores brancos e acharem que isso representa uma parcela da população. O que acontece muitas vezes é não mostrar a humanidade. O personagem feito por um preto não tem a possibilidade de desenvolver uma história, de ser vista, um espaço para falar, se expressar, é só um objeto de cena, então não há necessidade, aí é fingir uma representatividade”, afirmou.
“Então, eu entendo que estão abrindo mais os olhos para esta temática, mas, de fato, quando eu assisto um projeto que está pronto, ainda não me atinge, pois é sempre um ator deslocado ou um núcleo da família dele e isso não representa 54% da população que é preta. A evolução vai acontecer quando não existir essa disparidade entre atores brancos e negro em uma produção estando na mesma proporção e na mesma ‘qualidade’ de personagem”, finalizou.
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