Neusa Borges sobre racismo: Cansei! Dá vontade de explodir!

Por - 04/06/20 às 05:30

João Gabriel Hidalgo/Divulgação

Não é fácil ser Neusa Borges no Brasil. “Cansei”, diz a atriz em entrevista exclusiva para OFuxico realizada pelo jornalista Miguel Arcanjo Prado. Afinal, apesar do farto talento e do jeitão despachado que a faz conquistar de cara qualquer telespectador, a atriz de 79 anos e mais de 50 de carreira nunca foi tratada com o respeito que merece.

Neusa se sente desvalorizada, e com razão, não só pelas novelas, mas pela mídia como um todo, a quem acusa de só fazer sensacionalismo com seu nome. “Resolvi me aposentar das entrevistas”, avisa, já a contragosto de ter mais uma conversa com a imprensa. “Cansei de tudo que eu falo virar polêmica, que em nada ajudou na minha vida”, conclui.

Sobre o mundo da televisão e seus bastidores, não guarda boas lembranças. “Com mais de 50 anos de carreira, só conheci a falsidade, a injustiça, a ingratidão e o desrespeito”, explica.

Atualmente sobrevivendo sabe-se lá Deus como, recebendo uma mísera aposentadoria e com a impossibilidade de tocar seu brechó, Canto de la Borges, em Salvador, a atriz revela que se sente muito cansada.

“Continuo trabalhando de dia para comer de noite”, desabafa, antes de emendar: “E isso quando uma alma santa se lembra de mim”, pontua.

Não fosse a autora Gloria Perez lhe presentear com personagens como a Dalva de O Clone, a Cema de Caminho das Índias ou a Diva de Salve Jorge, Neusa não teria tido muitas oportunidades recentes de seguir se comunicando com o grande público.Os outros autores e diretores da Globo parecem ter o sórdido prazer em ignorar seu nome ao escalarem os personagens de suas novelas.

Após dois anos distante das telas, Neusa estreia dia 8 de junho na série Auto Posto, seu primeiro trabalho na TV paga, no canal Comedy Central, na pele da frentista Bernadete. Entretanto, ela reforça que, assim como costuma ser quando trabalha na TV aberta, recebeu apenas um cachê pela participação.

Afinal, em sua carreira de cinco décadas, a grande atriz desconhece as regalias de um contrato longo. Mesmo com tanta pedrada da vida, Neusa aprendeu, na marra, a se dar valor. Afinal, currículo não lhe falta.

Pioneira na TV, mas sem contrato longo

Além de ter atuado em novelas emblemáticas para a história da televisão, como Beto Rockefeller na TV Tupi, entre 1968 e 1969, ela esteve na histórica montagem do musical Hair no Brasil, em cartaz entre 1969 e 1972, na qual dividiu elenco com nomes como Sonia Braga, Antonio Fagundes, Ney Latorraca, Zezé Motta e Araci Balabanian."Fui a primeira atriz negra a usar o cabelo black power", ela recorda.

Após a glória no teatro, foi na Globo, onde entrou como a escrava Rita em Escrava Isaura, em 1976, que ela conheceu o sucesso junto ao grande público. E isso foi graças a seu esforço e carisma, que sempre fizeram suas personagens, por menores que fossem, se destacarem nos folhetins.

Mesmo tendo demonstrado este farto talento nas dezenas de novelas e series que participou, Neusa jamais foi tratada como uma estrela global.

E ela sabe que isso é fruto do racismo estrutural que vigora no Brasil e que não costuma deixar negros irem muito longe em suas carreiras, sobretudo na televisão, ainda submersa em um modelo racista de beleza.

Neusa vibra com protestos nos EUA

Por isso, ela acompanha com interesse nos últimos dias a revolta dos negros norte-americanos com o assassinato do homem negro George Floy, de 46 anos, sufocado pelo policial branco Derek Chauvin, o que vem gerando protestos antirracistas não só lá como em todo o mundo.

“Estou acompanhando os acontecimentos nos Estados Unidos” ela conta, não deixando de comparar a situação por lá com a que vigora no Brasil.

“O racismo no Brasil é maior que nos Estados Unidos.  Os poderes no Brasil são comandado pelos brancos. Negro aqui não vai pra lugar nenhum, não vence na vida, porque o poder branco nunca vai permitir. Eu sei o que passei na TV Globo por 50 anos”, afirma.

“Estou amando o que está acontecendo lá. Eu sou do diálogo, da paz, mas tem hora, que dá vontade de explodir”, conclui Neusa Borges. E quem vai tirar sua razão?

 

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