Premiada roteirista e diretora Sally Potter traz feminismo para a pauta em comédia de costumes
Por Redação - 24/07/18 às 20:30
A premiada roteirista e diretora Sally Potter fundou com o produtor Christopher Sheppard a Adventure Pictures em 1990 e isto lhe permitiu, desde então, controle estético e independência para realizar um dos vários roteiros a que se dedica habitualmente. Um deles vai vingar, eventualmente, e alcançar os objetivos de sua criação. A Festa (The Party 2017), seu mais recente trabalho, não poderia ser uma escolha mais acertada para expor seu processo criativo de contínua crítica social. O panorama contemporâneo, em especial o cenário político inglês com o advento do Brexit, fazem o pano de fundo.
Desta vez, seu texto concentra-se nas complexas relações políticas a partir de vínculos de amizade e família na luta por um projeto de poder, digamos assim. Não é à toa que o nome em inglês, “party”, também significa “partido político” e “Bill”, personagem epicentro da história, também pode ser traduzido como “dinheiro em espécie”. Os elos espúrios entre eles permeiam os limites da película de Potter.Janet (Kristin Scott Thomas), ao ser nomeada Ministra da Saúde, objetivo de longa data de seu enfraquecido partido, vê nesta vitória um sinal de melhores perspectivas para tudo o que defende, ideologicamente. Sua impendente aliança com o governo situacional vai fragmentar seu grupo de amigos mais próximos, os quais estão chegando em sua elegante casa londrina para uma pequena festa de comemoração. Uma festa que não vai acabar bem, já sabemos logo na primeira cena.
Bill (Timothy Spall), o marido, está sentado sozinho na sala de estar, ouvindo música de seus vinis. Conforme os convidados vão entrando e circulando pelos lugares periféricos da casa, Bill, praticamente imóvel por seu torpor, vai se tornando uma força magnética que controlará todo o desenvolvimento da história até sugá-la por completo. Aparentemente, April (Patricia Clarkson), ferina e sarcástica, melhor amiga e confidente de Janet, se manterá imune, como uma subconsciência atrevida. Assim, as correlações de força entre Martha (Cherry Jones) e Jinny (Emily Mortimer), que dão o estopim da escalada de revelações trágicas, serão sobrepostas em um crescendo musical como no Bolero, de Ravel, por exemplo.
A música, aliás, que Bill oferece aos seus convidados quando troca os vinis contextualiza os segmentos de tristeza, decepção, fúria, desespero e loucura que se seguem no desenrolar desta história praticamente em tempo real. Na atmosfera em preto e branco, com uma fotografiaousada de Aleksei Rodionov, tudo converge para a intensidade dos sentimentos. Tudo mais é supérfluo. As atuações, em geral muito acima da média, trabalham bastante bem esta questão e envolvem com facilidade o espectador nos compassos da trama.
O texto de Potter entrega algumas coisas de mão-beijada, mas para afiar os diálogos. Isto prova-se positivo e promove uma ponte para a comédia. Há sutileza, porém: no olhar mecânico da câmera, que revela as personalidades e derruba máscaras. Tom (Cillian Murphy), o financista, por exemplo, tem imagem desfocada, traduzindo seu descolamento daquela situação e daquele grupo de amigos. Bill, ao contrário, como parte central do conjunto, aparece em close várias vezes. Colocado como uma vitrine, por ele passam todas as vidas, nele todos descarregam seus sentimentos e para ele contam seus segredos. Porém, ele rejeita esta posição que lhe tira a identidade. Junto com Tom e o guru/life coach Gottfried (Bruno Ganz), formam o minoritário núcleo masculino. Carregam um quê de Almodovar ao incorporarem o masculino bobão, frágil, talvez vítima do feminino, mas certamente incapazes de elaborar o que acontece ao seu redor naquele instante.
O mesmo tipo de script assinado por um roteirista homem provavelmente receberia um orçamento maior, suspeita Potter. Mas, em vez de se lamentar, ela reverte este fato para a causa da inventividade e se força a explorar o novo. Sua A Festa é inegavelmente uma história feminina, como Ginger e Rosa (2012). Mas, além de trazer discussões sobre o feminismo, o lesbianismo e a política, corta mais fundo, expondo as incongruências do ser humano. Mudanças de opinião, de parceiro, de orientação sexual, de valores podem provocar confusão.
Justamente quando o caos se forma, a comédia de absurdos explode. Sally Pottter substitui a comiseração pelo riso. Um riso catártico, como ela declarou à revista Vanity Fair:
“(quero que o expectador) ria descontroladamente sobre coisas que, no momento, estão deixando as pessoas tensas, receosas, reprimidas, raivosas, tudo isso. Precisamos de um riso catártico mais do que nunca”. Na teia bem articulada que Sally Potter construiu, pode se dizer que ela obteve relativo sucesso.
Matéria original do site Empoderadxs, cedida gentilmente para OFuxico.
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