Regina Casé: ‘Só nos relacionamos com quem achamos iguais’
Por Redação - 11/03/20 às 00:01
Regina Casé está fazendo um sucesso tremendo pelo Brasil, principalmente por conta de seu papel como Lurdes na novela Amor de Mãe, da TV Globo, e está prestes a viver Madá no longa Três Verões, que a premiou como melhor atriz no Festival do Rio de 2019 e chega aos cinemas no próximo dia 19.
Em uma brecha nas gravações do programa, a atriz conversou com a revista TPM sobre sua carreira, sobretudo do orgulho que sente em representar personagens neste estilo.
“Está começando um movimento de trazer à tona pessoas que sempre foram protagonistas na vida, mas obscurecidas na dramaturgia. Uma mulher como a Madá ou como a Lurdes nunca tiveram um lugar nas telas”, declarou.
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Apesar do sucesso de Lurdes, Regina acabou se tornando entro de uma discussão sobre ela fazer o mesmo papel sempre, questionando então porque as atrizes que sempre fazem madames nunca foram questionadas.
“Ainda ouço 'a Regina só faz papel de pobre, lá vem outra empregada'.Tem atrizes que estão na casa dos seus 80 anos, só fizeram madames e grã-finas, e nunca ninguém questionou isso: ‘Outra grã-fina? Vai ficar tudo igual’. É como se só as mulheres ricas tivessem personalidades e individualidades, enquanto as pobres fossem todas iguais”, afirmou, antes de escrever sua intensa rotina.
“Eu gravei absolutamente todos os dias desde que a novela começou, com exceção dos domingos. Está uma loucura, foi uma mudança muito grande. Você vai para outro país, outro planeta. Eu não estou nem me queixando, porque está sendo um dos trabalhos mais felizes e bonitos da minha vida. Mas eu não vejo mais ninguém, não ando mais na rua! Em poucos dias eu vejo a luz do sol. Acordo às 6h30 e fico um pouco com o Roque [seu filho de 6 anos], até ele ir para a escola, às 7h. Então começo a fazer minhas coisas. As gravações acabam às 21h, todos os dias”.
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Falando da novela, outro questionamento feito à ela foi o que a fez voltar a atuar nesse tipo de atração após quase duas décadas de hiato.
“O convite da Manuela [Dias] e do Zé [José Luiz Villamarim] foi muito lindo, muito amoroso. E quando eles disseram quem era a Lurdes, vi que existiam um milhão de Lurdes. Não tive dúvidas. O que tive foi um dilema porque estava com um programa já pronto com o [antropólogo] Hermano Vianna, com equipe toda montada, contratada. O programa ia estrear em outubro, mas em julho ou agosto me convidaram para a novela. Foi um dilema abrir mão de tanto trabalho. E de um lugar que eu já estava acostumada, onde sempre tinha a última palavra, um lugar que eu decidia praticamente tudo, que eu escolhia a minha equipe. Na novela, entrei em uma equipe em que não conhecia praticamente ninguém. Me sentia como uma menininha indo para o primeiro dia na escola. Foi uma mudança muito radical”.
Aliás, esse amor dela pela Lurdes parece afetar o Brasil, pois no Cranaval, diversas fantasias da personagem surgiram.
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“Estou numa felicidade que não cabe em mim. É um momento que sinto todas as pessoas com muita agressividade, ódio, antagonismo, e, ao invés de pontes, estamos construindo muros. Só estamos nos relacionando com quem temos a ilusão de sermos iguais. Considero quase um milagre a Lurdes aparecer nesse momento e contexto. Tive sorte de poder ser essa emissária, essa mensageira de tanto amor, mas um amor sem ser boazinha. Ela complexa, é frágil, mas é forte; acerta, mas erra. Não há dúvida que ela ama, ama, ama demais quem é diferente, ama quem trata ela bem, ama quem trata ela mal. É impressionante a capacidade dela de amar. E considero uma sorte, um prêmio poder ser um veículo desse amor que acredito latente no Brasil”, disse ela.
Já sobre Madá, Regina possui uma visão tão positiva quanto tem de Lurdes, e falou que ela é experiente em resolução de problemas.
“Madá é uma daquelas inteligências que você fica pensando: ‘Caraca, se essa mulher fosse bióloga, astrofísica…’, porque a capacidade dela de solucionar problemas, de resolver a vida dos outros, é impressionante. É muito legal mostrar mulheres que estão escondidas e invisibilizadas na cozinha ou no quarto de empregada”, garantiu, antes de entrar mais a fundo sobre a representatividade envolta das personagens.
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“Uma mulher como a Madá ou como a Lurdes nunca tiveram lugar nas telas, mas, na vida real, têm um tamanho enorme. Muitos personagens que antes entrariam somente para dizer “aceita um café?” são agora todo um universo”.
Por fim, ela avaliou a importância de um longa como Três Verões no período na qual estamos passando.
“Acho que a gente não consegue avaliar claramente tudo que aconteceu. Estamos ainda mergulhados em muitas mudanças. O que sinto, assim como no filme, é que as coisas foram acontecendo sem as pessoas se darem conta. Isso é um grande mérito do roteiro da Sandra [Kogut] e do filme. Não tem uma bomba que cai. Aquilo vai se processando e, quando as pessoas percebem, a vida já está totalmente desarticulada. A Madá é demais, ela é até levada [pela polícia] por [condução] coercitiva [para prestar esclarecimentos sobre as atividades do patrão]. E, no fundo, essas palavras entraram para o vocabulário. Acho incrível que em uma cena ela explica para outro personagem o que é data venia. Uma caseira de praia explicando isso para todas as pessoas… É impressionante”, concluiu.
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