Regina Casé: “Sou rotulada como apresentadora que só fala de preto, pobre e favelado”
Por Redação - 07/12/12 às 08:10
A veia autoral de Regina Casé pulsa forte. Orgulhosa por sua trajetória, ao mesmo tempo, independente e popular na tevê, ela enxerga no Esquenta! uma junção de tudo o que já apresentou ao público em programas como Brasil Legal, de 1995, e Central da Periferia, de 2006. Por isso, Regina se mostra feliz com o investimento da Globo no dominical, que reestreia a nova temporada no domingo ( 9). Agora, em vez de ser exibido apenas nos meses de Verão, a mistura do Esquenta! fica no ar até julho.
"Não é mais um amor de apenas uma estação. Ao mesmo tempo em que estou empolgada em fazer uma temporada maior, fico receosa em manter a qualidade e o nível de convidados do programa, que é uma bagunça, mas organizada", analisa.
Filha do diretor de tevê Geraldo Casé e neta do apresentador Ademar Casé, Regina nasceu no Rio de Janeiro, em 1954. Durante o desbunde dos anos 70, fundou ao lado de nomes como Hamilton Vaz Pereira e Luís Fernando Guimarães – o grupo de teatro Asdrubal Trouxe O Trombone.
Entre uma peça e outra, participou de longas e atuou em novelas como Guerra dos Sexos, de 1983, e Cambalacho, de 1986. Até que no início dos anos 90, iniciou sua carreira como apresentadora, onde passou a ter um frutífero diálogo com a cultura popular brasileira em produções como Programa Legal, de 1992.
"Hoje a periferia está na moda, mas estou falando dela há tempos. Sou rotulada como uma apresentadora que só fala de preto, pobre e favelado. No entanto, tenho apenas liberdade e vontade de falar sobre o povo brasileiro", ressalta.
OFuxico: O Esquenta! não é mais um programa de verão. E, em 2013, passa a ser exibido de janeiro a julho. O que você acha que levou a Globo a investir mais no programa?
Regina Casé: O investimento sempre existiu, assim como o pedido do público para que o programa continuasse. Acabava uma temporada, eu lia na internet, falava com as pessoas nas ruas, todo mundo sempre lamentava e me perguntava a razão da Globo tirar o programa do ar. E a culpa não era da Globo! Desde a primeira temporada, a emissora convidou a equipe para fazer o programa o ano todo, sem intervalos. A gente é que não topou.
OF: Por quê?
RC: O mote do programa era outro. O nome inicial do Esquenta! era Regina de Janeiro, Fevereiro e Março. Primeiro, o programa ficava no ar durante três meses do verão, depois passou para quatro e agora serão sete meses. Foi um crescimento natural e indispensável para a equipe começar a trabalhar de outra forma, pensando e criando mais edições. Fomos cuidadosos no sentindo de preservar o programa, não queríamos torná-lo pasteurizado ou fazer de qualquer jeito, de forma industrial.
OF: Você tinha algum receio de que o formato cansasse o público ou se perdesse, caso a temporada fosse maior?
RC : Não é medo. Mas a encomenda da emissora era que, enquanto os programas da grade fixa estivessem de férias, faríamos um programa de carnaval, de samba, um esquenta da bateria. A possibilidade de abrir e diversificar surgiu quando fizemos um programa especial sobre as festas juninas e a audiência correspondeu. Conseguimos nos desprender da ideia inicial. Vimos que o programa era uma festa que poderia acontecer em qualquer época do ano. E fomos além. Hoje, a gente enxerga o "Esquenta!" como o encontro de um domingo qualquer na casa do pblico.
OF: Como As Aventuras do Didi saiu da grade de programação, existe a possibilidade do Esquenta! se tornar anual?
RC: Agora que a equipe vai medir isso. Todos os envolvidos fazem o Esquenta! com tesão e animação. Essa é a hora de ver o gás e a longevidade, sentir a vocação do Esquenta!. Se cansar, podemos voltar para o formato inicial. É preciso observar o nosso fôlego e animação também.
OF: Desde Programa Legal, de 1992, seus projetos na tevê são extremamente autorais e carregados de apelo popular, o que gerava um certo atrito temático com outros programas da Globo. Como você enxerga a atual popularização da grade da emissora?
RC: A periferia agora está na moda. Antigamente, algum intelectual, tipo o Hermínio Bello de Carvalho, ía até uma comunidade, pinçava artistas, como Cartola e Clementina de Jesus, e mostrava ao grande público. Hoje, vejo que não existe mais uma resistência do público elitizado em conhecer coisas diferentes, e do público mais modesto em se valorizar e enxergar na tevê. Encaro como natural essa popularização. Mas, sendo bem sincera, todo esse clichê de "ascensão da Classe C" me cansa um pouco.
OF: Você acha que a Globo está exagerando?
RC: Parece que do jeito que está indo, todos os programas da emissora vão falar sobre periferia e sobre pobre (risos). Tenho a impressão de que em algum momento vou ligar a tevê na hora do Jornal Nacional e vou ver o William Bonner quebrando tudo até o chão (risos). Acho que é o único programa que ainda não foi invadido por essa onda que prega o crescimento da Classe C. Ninguém mais aguenta isso, nem a Classe C (risos). Acho que o ideal seria mudar a letra.
OF: Com tantos programas nessa linha, você se preocupa em garantir um tom mais original ao Esquenta!?
RC: Como me disse uma vez o Gilberto Gil: "O povo sabe o que quer, mas ele também quer o que não sabe!". Quero ir além dos clichês da Classe C no programa. E quando a gente acha que uma ideia pode não dar certo, o público vem e nos surpreende. A biblioteca do Esquenta! é um exemplo disso. É onde a gente mostra que funkeiros e pagodeiros, ao contrário do que muita gente julga, gostam de literatura da mais alta qualidade. Essa mistura é o grande barato do programa. Acho que tudo o que fiz até hoje na tevê tem no Esquenta! seu ponto de encontro.
OF: Como assim?
RC: Venho há alguns anos trabalhando em programas como Programa Legal, Brasil Legal, Muvuca, Central da Periferia, Minha Periferia é o Mundo. Se eu parar para pensar, até na ficção essa questão do povo é muito forte em mim. A Tina Pepper, de Cambalacho (1986), era uma menina negra da periferia de São Paulo, gravei Cidade dos Homens, que relatava o cotidiano da favela, durante algumas temporadas. E ainda fui uma típica nordestina em Eu, Tu, Eles. Tenho essa identificação com as comunidades periféricas e ela é real.
OF: Qual o principal diferencial desta nova temporada do "Esquenta!"?
RC: O programa está mais integrado. E muito disso vem da nova disposição do cenário e uma aposta mais evidente no humor. De resto, vamos continuar na mesma linha, de trazer artistas fora do eixo Rio-São Paulo, apresentar pessoas que desenvolvem ideias e soluções sociais interessantes, histórias de vidas inteligentes e de superação. A mesma farra, alguns personagens conhecidos e novas emoções.
OF: Uma das novidades dessa nova temporada é um camarote para convidados. Qual a intenção desse novo espaço no cenário?
RC: O camarote é tipo uma área vip, uma brincadeira com as críticas que o programa recebe e essa mania de ter um espaço com pulserinha e segurança. Já ouvi falar que o Esquenta! era uma zona, ou que era um programa que só tinha preto. E adorei isso! Nos bastidores, a gente até brinca que deveria contratar umas meninas lourinhas para ficarem na plateia e completarem a cota de brancos (risos).
OF: Você se incomoda com essas críticas?
RC: Pelo contrário, eu me divirto. E sei que não procede. Se você olhar na plateia, a heterogeneidade é evidente. Essa crítica nasce de uma questão simples: a televisão brasileira tem tão poucos negros no ar, que quando o nmero aumenta um pouquinho, causa um certo estranhamento.
Atuação bissexta
Com novelas, filmes e inúmeras peças de teatro no currículo, entra ano e sai ano, Regina Casé segue na ânsia de retomar a carreira de atriz.
"Até fiz um especial de Natal no ano passado, mas não vale. Eu quero me envolver, construir um personagem. Espero, em breve, conseguir fazer uma peça, um longa ou uma série de tevê", torce a apresentadora, que entre suas últimas investidas pela atuação, fez a minissérie Som & Fria, de 2009.
Conhecida por personagens cômicas, como a Tina Pepper, de Cambalacho, ou as hilárias Dinalda e Cabocla Jupira, do humorístico TV Pirata, Regina só poderá voltar mesmo a atuar no segundo semestre. Até lá, ela tem de conciliar as gravações do Esquenta! com a produção do ecológico e didático Um Pé de Quê?, programa que apresenta no Canal Futura, desde 2001.
"Apesar da equipe maravilhosa, tenho mania de concentrar trabalho. Fico o tempo todo tendo ideias e analisando coisas novas para os programas", assume.
Planalto na mistura
Política e sociedade são assuntos que interessam Regina Casé. E políticos famosos, como os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso, já passaram pelo Esquenta!. Para começar a nova temporada, Regina e sua equipe convidaram a atual presidente do país, Dilma Rousseff, para um papo sobre a situação dos deficientes e os caminhos da acessibilidade no Brasil.
"Ela acaba de lançar uma campanha sobre este assunto e a entrevista foi ótima. Achei ela muito mais informal do que parece", adianta.
Entre outros convidados políticos que Regina gostaria de entrevistar para o programa, está o casal Barack e Michelle Obama.
"É um sonho, lógico! Eles tem o que dizer e seria muito chique", derrete-se.
Trajetória Televisiva
# "Guerra dos Sexos" (Globo, 1983) – Carlotinha.
# "Vereda Tropical" (Globo, 1984) – Clotilde.
# "Cambalacho" (Globo, 1986) – Tina Pepper.
# "TV Pirata" (Globo, 1988) – Vários personagens.
# "Programa Legal" (Globo, 1992) – Apresentadora.
# "Na Geral" (Série do "Fantástico", da Globo, 1994) – Apresentadora.
# "Brasil Legal" (Globo, 1995) – Apresentadora.
# "Escola Legal" (Futura, 1996) – Apresentadora.
# "Histórias do Brasil Legal" (Futura, 1998) – Apresentadora.
# "Muvuca" (Globo, 1999) – Apresentadora.
# "As Filhas da Mãe" (Globo, 2001) – Rosalva.
# "Um Pé de Quê?" (Futura, desde 2001) – Apresentadora.
# "Cena Aberta" (Globo, 2002) – Criadora e elenco fixo.
# "Que História É Essa?" (Série do "Fantástico", da Globo, 2002) – Apresentadora.
# "São Paulo de Piratininga" (Série do "Fantástico", da Globo, 2004) – Apresentadora.
# "Central da Periferia" (Globo, 2006) – Apresentadora.
# "Minha Periferia" (Série do "Fantástico", da Globo, 2006) – Apresentadora.
# "Minha Periferia É o Mundo" (Série do "Fantástico", da Globo, 2007) – Apresentadora.
# "Amazônia, de Galvez a Chico Mendes" (Globo, 2007) – Maria Ninfa.
# "Ciranda de Pedra" (Globo, 2008) – Eunice.
# "Vem com Tudo" (Série do "Fantástico", da Globo, 2009) – Apresentadora.
# "Som & Fúria" (Globo, 2009) – Graça.
# "Esquenta!" (Globo, desde 2011) – Apresentadora.
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