Tieta cutucou tabus, quebrou preconceitos e empoderou a mulher

Por - 18/06/20 às 05:00

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Tieta foi uma novela à frente de seu tempo, como observam agora no Globoplay uma jovem geração de telespectadores do folhetim 31 anos após sua estreia.

A fusão entre o famoso romance do baiano Jorge Amado e o texto novelístico irreverente do pernambucano Aguinaldo Silva fizeram de Tieta uma obra que quebrou vários tabus da sociedade brasileira em pleno horário nobre de um país que saía à pouco de uma ditadura e respirava pela primeira vez ares de liberdade.

Exibida originalmente entre 1989 e 1990, a telenovela hipnotizou o país no horário das 20h da Globo. Três décadas mais tarde, é um grande sucesso no serviço de streaming da emissora carioca. 

Era 1977 quando Jorge Amado (1912-2001) escreveu seu romance Tieta do Agreste. Na época, o baiano já era o autor brasieliro mais lido e consagrado no mundo todo.

A trama inicialmente seria uma minissérie, projeto pessoal da atriz Betty Faria em parceria com o diretor Paulo Ubiratan (1947-1998). Betty inclusive foi ao apartamento de Jorge Amado em Paris para negociar os direitos da adaptação.

Contudo, o olhar atento de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então todo-poderoso da Globo, farejou o sucesso naquele projeto e decidiu que seria uma novela e no principal horário da emissora, então no das 20h, onde foi ao ar de 14 de agosto de 1989 a 31 de março de 1990, totalizando 196 capítulos.

Tieta volta a Santana do Agreste

A trama se passa na cidade fictícia baiana Santana do Agreste, que se vê em polvorosa com o retorno de Tieta. Ela é uma espécie de filha pródiga da terra, já que havia sido expulsa da cidade na adolescência por seu pai após ter perdido a virgindade enquanto pastorava as cabras da família nas dunas de Mangue Seco.

Muitos anos depois, já mulher feita e após ter enriquecido em São Paulo, Tieta volta à terra natal sem aviso prévio, modificando os costumes locais com sua presença exuberante.

O retorno de Tieta representa o avanço civilizatório e o progresso chegando à provinciana e conservadora Santana do Agreste, que inclusive passa a ter energia elétrica por artimanha de Tieta, influente com políticos em Brasília. Tanto que a luz na cidade será batizada “a luz de tieta” — que também virou música de Caetano Veloso, quando da adaptação do texto para o cinema por Cacá Diegues com Sônia Braga no papel-título.

Tieta (Betty Faria) muda a vida de sua pacata cidade natal

Novela Tieata quebrou tabus sociais

Ao se olhar para a trama três décadas depois, é fácil perceber que Tieta foi um folhetim à frente de seu tempo e que contribuiu para quebrar preconceitos de nossa sociedade. Sobretudo os relacionados à mulher.

Aguinaldo Silva lembra Tieta reflete a liberdade de expressão que o país começava a ter após os anos de censura e repressão da ditadura que vigorou entre 1964-1985.

Ele lembra que a novela surgiu "depois de todos aqueles anos em que você tinha que esconder as coisas, tinha que tentar enganar os censores". E continua: "Ao mesmo tempo em que tinha o meu trabalho, a minha tarefa era escrever uma novela, eu sentia que a minha tarefa era rasgar certos véus que a gente tinha se autoimposto".

"Eu rasgui os véus todos”, define o novelista, em fala dada ao Fantástico, da Globo.

Tieta teve caso com o sobrinho

Tieta teve caso com o sobrinho

Na trama repleta de ousadia, a personagem Tieta engata romance com o sobrinho seminarista Ricardo (Cássio Gabus Mendes), filho da irmã carola Perpétua, sua arqui-inimiga interpretada de forma inesquecível por Joana Fomm.

Hipócrita e interesseira, Perpétua esquece todos os "pecados" da irmã por conta do dinheiro que agora Tieta tem.

O relacionamento amoroso central da trama toca em três grandes tabus ao mesmo tempo: o amor entre uma mulher mais velha e um rapaz jovem, o ultraje à castidade de um seminarista católico e futuro padre, e ainda mostra o incesto, já que o amante de Tieta é filho de sua irmã, portanto, seu sobrinho.

A trama ainda cutucou aqueles que se dizem santos e cultivam a imagem da “família tradicional”, sobretudo na pele da vilã que marcou época na história da televisão, Perpétua. No fundo, o dinheiro a faz esquecer todos os pudores.

Outro ponto forte de quebra de tabu foi a presença de uma atriz travesti no elenco, Rogéria, que viveu a melhor amiga de Tieta e causou alvoroço em sua passagem por Santana de Agreste, sobretudo nos personagens masculinos.

Tieta e sua amiga travesti, interpretada por Rogéria

Tieta representa a nova mulher

Os pesquisadores Rafael Bertoldi dos Santos, Cléber Carminati e Gabriela Santos Alves, da Universidade Federal do Espírito Santo, autores do artigo A Telenovela Tieta e Sua Contribuição para o Ideal de Independência Feminina, publicado em 2014, reforçam a importância histórica da novela.

Segundo eles, a trama refletiu mudanças comportamentais nas mulheres brasileiras, que já vinham acontecendo desde meados da década de 1960. Para os estudiosos, a novela ajudou a “disseminar a independência feminina”.

“A protagonista se envolveu com seu sobrinho, um seminarista que não sabia nada a respeito de sexo e mulheres. Um verdadeiro escândalo, pois Tieta além de não ter pudores sexuais era bem mais velha que o sobrinho”, lembram os pesquisadores.

Tieta representou uma subversão para o modelo de mulher daquela pacata cidade, “sempre mães, esposas e donas-de-casa, sempre prontas a atender as vontades dos maridos e olhando pouco para si mesmas”, pontuam.

Para os pesquisadores, a novela Tieta foi “um estopim que deflagraia um certo comportamento social, que nesse caso remeteu aos novos posicionamentos femininos”.

Assim, Tieta ajudou a tornar mais aceita na sociedade brasileira a imagem da mulher que não depende de homem, que é livre e independente. 

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