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TV: Negros merecem mais do que papel de escravo e empregada

Reprodução/TV Manchete

Nesta quarta (13) se completam 132 anos do dia em que foi abolida a escravidão no Brasil. A ferida social ainda tão recente se reflete na televisão do país. Durante muito tempo, atores e atrizes negros foram escalados, majoritariamente, para papéis de escravos ou de empregados domésticos nas novelas.

Raros eram os folhetins que ousavam colocar negros e negros em personagens de destaque. Uma dessas exceções foi a família de classe média negra de A Próxima Vítima (1995), de Silvio de Abreu, chefiada pelo casal Zezé Motta e Antonio Pitanga.

 

A TV surgiu no Brasil em 1950, mas o país só foi ter sua primeira protagonista negra de uma telenovela 46 anos depois, em 1996, com Taís Araújo à frente de Xica da Silva, de Walcyr Carrasco, na extinta TV Manchete. Já na Globo, Taís foi também a primeira protagonista negra de uma novela da emissora, em Da Cor do Pecado, de João Emanuel Carneiro, em 2004.

Nos últimos tempos, o negro vem galgando novos espaços na TV, como no especial natalino com atores negros Juntos A Magia Acontece, no fim do ano passado — com Milton Gonçalves vivendo o primeiro Papai Noel negro da emissora —, ou a chegada de Maju Coutinho à bancada do Jornal Nacional e depois ao comando do Jornal Hoje, também em 2019. Mas, ainda há muito a evoluir.

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Pressão nas redes

Para o ator e pesquisador Denilson Tourinho, com mestrado em Artes Cênicas pela Faculdade de Educação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e idealizador do Prêmio Leda Maria Martins de Artes Negras, a TV nada mais faz do que acompanhar as pressões que sofre pelas redes sociais por representatividade étnica nas telas.

“As novas tecnologias permitiram a inserção de novos influenciadores nas redes, afirmando suas identidades negras e exigindo representatividade. Para a TV, não teve como ficar fora dessa realidade”, aponta.

Mesmo assim, ele ainda considera tímida a representatividade negra televisiva, seja em telenovelas, telejornalismo ou outras produções, quando comparada por exemplo a produções do mercado internacional de streaming.

Tourinho lembra que há em curso “uma nova realidade afirmação e empoderamento da população negra, que exige se ver representada”, fato que já mudou inclusive o mercado publicitário nacional. “É a reivindicação das pessoas nas redes sociais que têm chamado a atenção das empresas para o assunto, é algo que vem de fora para dentro”, avalia.

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Profissionais negros na TV

Tourinho diz que é preciso ter profissionais negros em postos de comando no mercado televisivo, com real poder de decisão, seja para escrever uma história com protagonismo negro, para escalar atores e atrizes negros em personagens de destaque ou até mesmo decidir que um jornalista negro ou negra esteja na bancada de um telejornal.

“Na década de 1980, Zezé Motta ajudou a criar o Cidan (Centro de Informação e Documentação do Artista Negro) justamente para dar visibilidade a estes profissionais”, lembra Tourinho. Isso, segundo ele, para evitar a velha desculpa de que não havia artistas negros talentosos para fazer este ou aquele papel, como até hoje se ouve por aí.

“Basta um produtor de elenco acessar as redes sociais que certamente encontrará um casting mais diverso”, propõe Tourinho, reiterando que é preciso boa vontade.

Para o pesquisador, é preciso ter profissionais negros em todas as esferas da TV: “Não estou falando só de atores e atrizes que estão à frente, mas de diretores, dramaturgos, produtores de elenco, roteiristas. Precisamos de múltiplas ideias e visões daqueles que até este momento ficaram à margem da televisão. Não é preciso excluir os antigos profissionais, mas é preciso abrir espaço para novos profissionais negros na TV”, pontua.

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Streaming à frente na representatividade

Nas produções internacionais de TV por streaming é comum ver uma grande diversidade étnica nos elencos, sejam de séries norte-americanas ou mesmo europeias. Isso é realidade nas séries da Netflix, por exemplo, e é parte da razão do sucesso da distribuidora por streaming no mundo e no Brasil na visão de Denilson Tourinho.

“As produções norte-americanas há tempo já acessaram essa representatividade negra. Aqui que ela ainda é incipiente, as novelas que têm um grande elenco negro ainda estão ligadas à escravidão”, lamenta Tourinho. “As novas séries por streaming, mesmo as nacionais, já dialogam com a diversidade. As telenovelas vão ter de correr atrás do streaming e fazerem valer de fato a representatividade se quiserem conquistar as novas gerações”, conclui.

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