Vera Holtz: “Mãe Lucinda virou uma entidade em minha vida”

Por - 07/07/13 às 17:19

Luiza Dantas/Carta Z Notícias

Na época em que Saramandaia foi exibida pela primeira vez, em 1976, Vera Holtz estava se mudando para o Rio. Deslumbrada com a cidade grande – a atriz é natural de Tatuí, no interior de São Paulo – e sem qualquer pretensão de se tornar atriz de tevê, o que ela mais queria era desvendar um mundo novo que se abria. Curiosamente, interpretar a emblemática Dona Redonda no remake de Ricardo Linhares traz à tona, mais uma vez, o mesmo sentimento. Primeiro, pela força que a personagem ocupa dentro da própria teledramaturgia nacional. E, principalmente, por todo o cuidado com que é tratada e foi construída.

Vera Holtz: "Até hoje se lembram. Quando se comentava em readaptar, só se falava da explosão da Redonda. Ela é um ponto de referência muito forte da obra do Dias Gomes e sua criação hoje é inovadora e ousada para as novelas", avalia. 

Para gravar suas cenas, Vera chega ao trabalho com mais de quatro horas de antecedência. É esse o tempo gasto para colocar todas as próteses que usa e o figurino da rechonchuda da fictícia Bole-Bole. É tanta coisa em cima para aparentar os 250 quilos da personagem que a roupa tem até um sistema de ventilação, para amenizar o calor.

"E dura no máximo quatro horas. Depois, não funciona mais. É uma composição com prazo de validade diário", explica ela, que gasta mais 90 minutos para se livrar da caracterização. 

Sede de conhecimento
Uma das principais características de Vera Holtz, segundo a própria atriz, é sua curiosidade aguçada. E foi justamente isso que a levou para os palcos. Em sua busca por suportes para a criação, primeiro descobriu a música, dando até aulas. Chegou a se formar em Artes Plásticas, mas foi o teatro que conseguiu prender a atenção da tatuiense, que completa 60 anos no próximo mês.

"Sempre quis me abastecer e comecei a atuar em 1979. Passei muito tempo entre peças, até que ingressei na tevê. Até A Muralha, em 2000, me dividi bem. Depois, mergulhei mais fundo na teledramaturgia", lembra. 

Mesmo com uma carreira pontuada por personagens emblemáticos nas novelas, como a traída Sirléia de Por Amor, em 1998, e a alcoólatra Santana, de Mulheres Apaixonadas, em 2003, Vera assume que seus últimos papéis tiveram um significado especial em seu currículo. Primeiro, porque tanto a Dona Candê, de Passione, quanto a mãe Lucinda, de Avenida Brasil, mostraram-na de cara limpa, sem qualquer glamour em cena. E, no caso da ltima, que vivia em um lixão, pela abertura que conquistou com o público infantil.

"Mãe Lucinda virou uma entidade em minha vida. As pessoas pedem bênção, deitam no meu colo, enfim, desenvolveram um afeto incrível por mim", explica.   

Preparação prévia
De todas as cenas de realismo fantástico de Saramandaia, a mais emblemática da primeira versão certamente foi a explosão de Dona Redonda. Tanto que volta e meia ela é relembrada em edições do Vídeo Show e facilmente achada na internet. Para esta versão, ainda não está definido quando a personagem vai estourar. Mas a equipe já trabalha intensamente na pesquisa para que tudo saia perfeito no dia da gravação.

"Fizemos alguns testes já e contamos mesmo é com a computação gráfica. Essa é uma das grandes preocupações da gente", avisa, entregando que, por sua vontade, isso só acontecerá mesmo na reta final da história.

"Deixa eu aproveitar minha novela, vai", brinca, encerrando o assunto.  

O Fuxico: Você trata a Dona Redonda de Saramandaia como um personagem ímpar em sua carreira. Que características pontuam isso?
 

Vera Holtz: Sou muito feliz com minha carreira na televisão, mas esse é um personagem de composição. Nos últimos trabalhos, pouco fiquei na sala de maquiagem, minha caracterização era a mais limpa possível. Foi assim em Passione e, mais ainda, em Avenida Brasil. A Dona Candê e a Dona Lucinda não tinham essa necessidade. Era chegar, colocar a roupa e estava pronta para gravar, já que eram mulheres desprovidas de vaidade. Já com a Dona Redonda, além do figurino delicado, temos todo um processo de caracterização incrível. Fico orgulhosa por poder fazer isso e, principalmente, pelo resultado que o público vê.

OF: Você começou sua carreira de atriz no teatro, mas, nos últimos anos, tem se dedicado com mais intensidade à televisão. É uma decisão ou questão de oportunidade?

VH: Tenho me dedicado mesmo à televisão, que é onde tenho me sentido mais estimulada. Recebo bons convites e estou bastante envolvida com a teledramaturgia até mesmo pelos assuntos que tenho abordado a partir dos meus personagens. Isso tem mexido bastante comigo.

OF: No caso da Dona Redonda, que assunto traria esse estímulo?

VH: A obesidade é uma doença, assim como o alcoolismo. É uma questão que precisa ser discutida, como foi na época em que fiz a Santana, em Mulheres Apaixonadas. É um assunto sério, tanto os alcoólatras como os obesos representam uma boa parcela da sociedade. A compulsão pela comida não tem tanta diferença da compulsão pelo álcool. Ambos são adictos.

OF: Como foi esse processo de criação da Dona Redonda?

VR: O mais bacana de falar sobre isso é que não foi um grande temporal em cima de mim. Tudo ocorreu de forma lenta, gradual e contínua. Primeiro, fizemos fotos com a equipe de efeitos. Depois, foram confeccionados os moldes. Escanearam meu corpo e testaram maquiagem e próteses. Isso tudo até chegar à forma, ao tamanho, ao peso, enfim, a esculpir, de fato, a Dona Redonda. 

OF: E as cenas de comilança? Você chega a comer muito em cena? 

VH: Não posso comer açúcar demais porque pode dar um pico de glicose e me prejudicar. Então, damos uma enganada. Às vezes, parece que estou comendo doce, mas é algo salgado. Estamos estudando produtos feitos com ricota, arroz e outras coisas que, quando eu precisar comer, não vão me prejudicar. Mas isso também não quer dizer que, em alguns momentos, eu não vá me aproveitar para me deliciar com um bom cupcake em cena (risos).

OF: Onde você buscou referências para interpretar uma mulher com mais de 250 quilos?

VH: Fiz uma pesquisa nos Estados Unidos em cima de fast foods. Isso para poder observar a forma de andar, postura, essas coisas. Mas, no fundo, quem preenche um personagem é o autor. Procuro encontrar minhas criações na própria dramaturgia. Leio no mundo a forma de andar, de olhar, o comportamento… Só que a essência vem do que o autor me dá. Fui nesses spas de obesidade mórbida, os que são médicos mesmo. Lá, vi e convivi com muitas Donas Redondas.

OF: De todos os efeitos visuais de Saramandaia, a caracterização de Dona Redonda é um dos que mais impressionam. Como funciona?

VH: É uma montagem que leva mais de quatro horas. Depois, tem um tempo de validade para essas próteses. Não posso ficar gravando por horas, horas e horas. Normalmente, seguro umas outras quatro horas. Fui uma das últimas a começar a gravar por isso, porque é um processo mais complicado e tudo tinha de estar perfeito. Dependo 100% da equipe. Não existo se não tiver um grupo imenso ao meu redor. 

OF: Que pessoas são essas?

VH: – São desde maquiadores, cabeleireiros e camareiras a pessoas responsáveis pelas próteses físicas de braços, pernas e rosto. A cada dia, a gente descobre uma novidade sobre essa caracterização, porque ela se comporta de maneiras diferentes dependendo das condições de temperatura que a gente tem, do figurino que é usado, de onde estamos gravando… É tudo orgânico, então se eu estiver em externa, embaixo de sol, é uma realidade. Já em estúdio e com ar-condicionado, é outra. E para tirar também não é fácil. Leva, no mínimo, mais uma hora. Tem um carrinho especial, maior, que anda comigo para cima e para baixo na Globo. Eu até consigo andar, mas é um trabalhão. E um calor! Uso macacão de ventilação interna para amenizar.

OF: O que você faz durante essas quatro horas em que a equipe aplica as próteses em você?

VH: Seria ótimo se eu pudesse fazer alguma coisa. Para que tudo fique certinho é necessário que eu permaneça parada, imóvel, durante todo o tempo. É um intenso trabalho de paciência. Mas o que nos motiva é ser algo novo para toda a equipe e, inclusive, para o público brasileiro. É uma tecnologia para lá de ousada para ser usada em uma novela.

OF: Muitas atrizes não gostam de associar sua imagem a mulheres obesas. Como funciona sua vaidade em relação a um trabalho como esse?

VH: Eu sou da geração Barbie e Twiggy (Twiggy Lawson, britânica considerada a primeira top model do mundo). Essas eram as referências de beleza da minha geração e isso sempre foi um trauma para a gente (risos). Mas tudo bem, eu ia para a Índia e na Índia é legal ser gordo. Eu fazia um sucesso lá! Bom, eu não ligo para esses valores estéticos. O que tenho é uma preocupação grande com minha saúde. Me importo com o que meu apetite aguenta e, ao mesmo tempo, com o que eu, com 60 anos, posso comer e fazer. A vida vai se limitando com o passar do tempo e venho me preparando para isso há anos. Quero chegar bem na minha data de validade.

Trajetória Televisiva

# Que Rei Sou Eu? (Globo, 1989) – Fanny.

# Top Model (Globo, 1989) – Irma Lamer.

# Desejo (Globo, 1990) – Angélica.

# Barriga de Aluguel (Globo, 1990) – Dos Anjos.

# Vamp (Globo, 1991) – Alice Penn-Taylor.

# De Corpo e Alma (Globo, 1992) – Simone Guedes.

# Fera Ferida (Globo, 1993) – Querubina Praxedes de Menezes.

# A Próxima Vítima (Globo, 1995) – Quitéria.

# O Fim do Mundo (Globo, 1996) – Florisbela Mendonça.

# Por Amor (Globo, 1997) – Sirléia Batalha Pereira.

# Chiquinha Gonzaga (Globo, 1999) – Dona Ló.

# A Muralha (Globo, 2000) – Mãe Cândida Olinto.

# Uga Uga (Globo, 2000) – Santa.

# Presença de Anita(Globo, 2001) – Marta.

# Desejos de Mulher (Globo, 2002) – Bárbara Toledo.

# Mulheres Apaixonadas (Globo, 2003) – Santana Gurgel.

# Cabocla (Globo, 2004) – Generosa.

# Belíssima (Globo, 2005) – Ornela Sabatini.

# O Profeta (Globo, 2006) – Ana.

# Paraíso Tropical (Globo, 2007) – Marion.

# Três Irmãs (Globo, 2009) – Violeta.

# Passione (Globo, 2010) – Candê.

# Avenida Brasil (Globo, 2012) – Lucinda.

# Saramandaia (Globo, 2013) – Dona Redonda.

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