Vai na Fé aposta em boa representatividade e acerta o alvo!
Por Raphael Araujo - 30/04/23 às 09:00 - Última Atualização: 29 abril 2023
“Vai na Fé” estreou na TV Globo em meados de janeiro deste ano e, desde então, vem conquistando um público cada vez maior e mais fiel. Entre tantos acertos já destacados na trama de Rosane Svartman, um deles se destaca e “dá aulas”: a representatividade presente na novela!
Seja ela étnica, por religião ou até mesmo os desafios por idade, “Vai na Fé” beira à perfeição quando o assunto é mostrar a sociedade como ela é e humanizar seus personagens. São muitos exemplos que comprovariam essa situação, mas OFuxico vai tentar falar de todas as representatividades que a trama apresentou até agora. Confira!
PROTAGONISMO NEGRO
Logo de cara, devemos ressaltar como a novela traz uma boa representatividade étnico-racial, principalmente em relação à população negra, sendo marcada por uma grande quantidade de atores negros em seu elenco, cujos personagens são extremamente variados.
Há pessoas pretas pobres, ricas, legais, chatas, bem-intencionadas, de mal-caráter, de todas as possibilidades que você consegue imaginar. É comum dentro do racismo estrutural colocar grupos fora do padrão como “sendo todos iguais”, mas essa é a maior mentira inventada pela humanidade, pois todos somos diversos e diferentes e alguma medida, mesmo tendo nossas semelhanças.
Porém, o parágrafo acima não deve se tornar sinônimo da população preta negar a sua negritude e os desafios que surgem em ser negro em uma sociedade racista e a novela sabe muito bem disso, tratando de questões relacionadas ao assunto de maneira delicada e certeira, bastante natural e intrínseca à sociedade como ela realmente é!
RECORDE DA COMUNIDADE LGBTQIAPN+
Os membros da comunidade LGBTQIAPN+ presentes na novela também possuem todos a sua própria individualidade, sejam suas características pessoais positivas ou negativas, sejam pessoas dentro de algum “esteriótipo” ou que fogem dele, pois cada um tem sua maneira de viver e se expressar.
Porém, este autor que vos escreve precisa ressaltar um detalhe: não lembro de outra novela brasileira exibida para a TV aberta com tantos personagens LGBTs. Pode ser um ledo engano meu, é claro, mas “Vai na Fé” acerta nisso novamente, isso ninguém pode negar.
Vitinho (Luis Lobianco) é assumido, assim como Anthony Verão (Orlando Caldeira), Naira (Tati Villela), cuja fala rápida assumiu também Ivy (Azzy), William (Diego Montez), Vini (Guthierry Sotero) e Helena (Priscila Sztejnman). Destaque para os dois últimos citados, que estão de uma forma ou de outra ajudando Yuri (Jean Paulo Campos) e Clara (Regiane Alves), respectivamente, a se descobrirem em relação à sexualidade, tudo de maneira espontânea e realista.
Vitinho (Luis Lobianco) e Anthony Verão (Orlando Caldeira) – Foto: TV Globo/João Miguel Júnior/Montagem Naira (Tati Vilella) e Ivy (Azzy) – Foto: TV Globo/João Miguel Júnior/Montagem Helena (Priscila Sztejnman) e Clara (Regiane Alves) – Foto: Reprodução/TV Globo Vini (Guthierry Sotero) e Yuri (Jean Paulo Campos) – Foto: Reprodução/TV Globo
FÉ EM DIVERSAS FRENTES
E o nome da novela? Também está sendo representado de forma magistral! O Cristianismo dispensa comentários em sua representação na novela, recebendo mais foco pelo fato de Sol (Sheron Menezzes), a grande protagonista, assim como sua família, é evangélica, frequentando o culto semanalmente e participando de atividades da Igreja.
Todavia, isso não impediu “Vai na Fé” de expor outras religiões com respeito e cuidado, como quando Ben (Samuel de Assis) participou de um ritual do Candomblé, ou até mesmo quando Fábio Lorenzo (Zé Carlos Machado) e Dora (Claudia Ohana) compartilharam os dogmas do Budismo e suas filosofias.
Intolerância religiosa não existe por aqui, e todas as fés são respeitas, até mesmo quem não é praticante ou não tem religião, como acontece com diversos personagens.
ETARISMO
É inegável como a sociedade costuma praticar muito etarismo, preconceito marcado pelo preconceito contra pessoas por causa de sua idade, sendo muito comum entre pessoas idosas e/ou mais velhas, e a novela trata disso também com muito cuidado e delicadeza.
Sol sofreu com isso logo no início, quando muitos a julgaram incapaz de ser dançarina de Lui Lorenzo (Jose Loreto) por conta de sua díade e de já tendo ficado grávida de duas filhas, mas isso é passado, e muitos adoraram saber da história dela, que é uma mulher bastante trabalhadora que agora vive um sonho.
A mãe de Sol, Marlene (Elisa Lucinda) por muito tempo acabou aparecendo em tela como dona de casa, até que uma conversa com Horácio (Francisco Salgado) a fez notar que não estava vivendo a vida, a fazendo decidir vender quentinhas ao lado de Bruna (Carla Cristina Cardoso) todos os dias.
Destaque ainda para a fala de Wilma (Renata Sorrah), que uma atriz consagrada no passado, acabou caindo no ostracismo por muitos anos, sofrendo bullying virtual ao ter um teste exposto na internet, com pessoas dizendo que achavam que ela “estava morta de tão esquecida”.
RELEMBRE DISCURSO DE WILMA NA NOVELA SOBRE ETARISMO
“Meu nome é Wilma Campos e eu sou atriz. Se você não me viu atuando, a culpa não é sua. Pergunte pra sua mãe. Seu pai, com certeza, viu algum filme meu. Eu fui muito famosa. Uma estrela! Mas, recentemente, descobri que cometi um crime terrível: eu envelheci”, iniciou ela.
“No mundo de hoje, ser jovem não é mais uma fase da vida, mas um estado definitivo de espírito. Quem envelhece é um fora-da-lei. E ser mulher, como diz meu advogado, é um agravante. Cada ruga aumenta a pena. Nos expulsam do mundo por conta da pele flácida”, afirmou a artista.
“Envelheci, sim. As marcas no meu rosto carregam paixão, tristeza, alegria. É a minha vida e eu tenho muito orgulho dela! É isso o que eu posso mostrar nos palcos e nas telas. Mas não me deixam trabalhar e mostrar meu talento. Quem perde são os que ‘acusam’ de ser velha e me condenam por estar viva. Ofensas não me derrubam. Pelo contrário: me dão força pra lutar mais”, finaliza., concluiu Wilma.
DESAFIOS DE DOENÇAS
Já que falamos de Marlene, ela conquistou o Brasil recentemente ao revelar o porquê de usar peruca na trama: ela tem alopecia, uma condição que reduz a densidade capilar de um indivíduo, muitas vezes causada por um fator psicológico.
A matriarca da família tinha vergonha de seu cabelo estar comenos densidade, e sua peruca era essencial, mas um acidente com o cachorro a fez conversar com Bruna, que notou a doença e a ajudou a saber mais sobre o assunto e buscar tratamento, fazendo Marlene assumir seu cabelo natural.
Também precisamos destacar a delicadeza com que a depressão de Rafa (Caio Manhente) é mostrada, na qual notamos não só pelo que os outros falam dele, mas também pela maneira como o rapaz age e pelas cosias que o mesmo pensa, principalmente pela dificuldade dele de se relacionar e interagir com pessoas, o impedindo de sair de casa ou mesmo do seu quarto.
Aos poucos, o personagem começou a progredir em relação ao assunto, voltando a estudar no ICAES e criando laços muito fortes com Kate (Clara Moneke), mas ainda com alguns pontos de dificuldade, pois ele não se sente bem e fica extremamente em locais cheios de pessoas.
MULHERES PODEM FAZER E ESTAR ONDE QUISEREM
Falamos de muitas personagens femininas ao longo do texto, só comprovando como cada uma possui sua individualidade, pontos fortes e dificuldades a serem vencidas, mas todas querem ser felizes e realizadas, como Sol em estar em cima dos palcos, por exemplo. Clara ficou anos longe de sua própria empresa, mas quis voltar a trabalhar e até voltou a sair mais de casa.
Marlene quis vender quentinhas com Bruna, que é uma grande amiga da família e nunca os abandonou. Kate sempre quis se encontrar, e está se saindo muito bem vendendo seus próprios sanduíches no ICAES. Falando na faculdade, Jenifer (Bella Campos) estudou desde cedo para entrar na instituição e se formar em direito, sendo um marco na família ela estudar em uma faculdade.
Não podemos deixar de citar Lumiar (Carolina Dieckmann), professora que mais aparece na novela do ICAES, que desafia as obrigações sociais quando decidiu que não deseja ter filhos ao longo da vida, papel que atribuem às mulheres adultas frequentemente.
Lumiar foi para a cidade grande por não se identificar com o estilo de vida dos pais, e se sentia um peixe fora d’água até começar a namorar com Ben, o vendo como sua base no mundo. Quem nunca se sentiu da mesma fora, ou se apoiou em alguém especial em momento de dificuldade?
As atitudes da advogada estão sendo questionáveis, mas praticamente todas as personagens femininas citadas aqui, assim como personagens masculinos também, tiveram atitudes boas e ruins no geral (Theo talvez seja um caso à parte e um extremo negativo da balança), pois isso que é ser humano, uma constante evolução pessoal!
Na pele de Sol, Sheron Menezzes vai aparecer como nunca antes – foto: Reprodução/TV Globo Lumiar (Carolina Dieckmann) em Vai Na Fé – Foto: Divulgação/Vai Na Fé/João Miguel Junior/TV Globo Divulgação/Vai Na Fé/Fábio Rocha/TV Globo Guiga (Mel Maia) em Vai Na Fé – Foto: Divulgação/Vai Na Fé/Estevam Avellar/TV Globo Foto: TV Globo/João Miguel Júnior Reprodução/Instagram Bruna (Carla Cristina) e Kate (Clara Moneke) em Vai Na Fé – Foto: Divulgação/Vai Na Fé/Estevam Avellar/TV Globo Divulgação/Vai Na Fé/Estevam Avellar/TV Globo
DENÚNCIAS IMPORTANTES
Uma boa representatividade não é marcada apenas pela beleza da diversidade e momentos que nos façam suspirar de alegria, e muitas vezes ela vez acompanhada de momentos e ações nada agradáveis, principalmente ligadas com o preconceito.
Sabendo disso, “Vai na Fé” denuncia diversos comportamentos preconceituosos e retrógrados da sociedade na trama, seja de forma sutil e delicada ou até mesmo escancarando a questão, mas sem perder a base realista que originou a cena em questão.
Quem não se emocionou com o discurso de Wilma, citado mais cedo, sobre etarismo? O quanto as pessoas defenderam Sol nas redes sociais sendo julgada por querer realizar seu sonho? Também foi citado como Lumiar é julgada muitas vezes por não querer ser mãe.
As duas prisões injustas de Yuri, o xingamento a Ben na juventude e o muro pichado nos jogos universitários escancararam o quanto a sociedade é racista. O assunto também mostra a realidade étnica do país quando há poucos alunos negros no ICAES, uma faculdade de alto custo, sendo a maioria dos que recebem destaque na trama bolsistas. Ben não tinha bolsa, mas era na sua época o único aluno negro do lugar.
Falando nas bolsas, a trama de que Otávio (Gabriel Contente) fraudou o sistema para ser bolsista e tomou a vaga de pessoas que realmente precisavam para poder estudar, e ele vendo o vídeo dos relatos, foi mais uma forma de debater desigualdade social
O machismo está bem escancarado em Theo (Emilio Dantas) que se considera dono de Clara porque é homem e trabalhava, assim como arco de Fred (Henrique Bandeira) passou por isso, quando ele criou um perfil chamado “macharada” e beijou Guiga (Mel Maia) à força, mostrando na novela os impactos de importunação sexual e as consequências, fazendo o estudante a mudar seus pensamentos e evoluir.
COMPORTAMENTOS GRAVES EXPOSTOS
Falando em Guiga, ela expõe o lado negativo da fama nas redes sociais, como pensar apenas em si ou em seguidores é prejudicial a si mesmo e aos outros em sua volta, sem falar que ela vive em uma bolha por conta de sua condição financeira, gerando várias bolas foras em alguns comentários.
Lui Lorenzo teve sua sexualidade questionada, e mesmo sendo sugerido que ele usasse a comunidade LGBTQIAPN+ e fingisse ser parte dela para lucrar em cima disso, a novela não só fez a crítica ácida, como fez o cantor tomar outro rumo que era verdadeiramente ético.
Voltando ao Theo, ele foi uma forma de expor como funciona um relacionamento abusivo, seja a maneira agressiva, fria e excludente como ele trata Clara ou até mesmo a forma que ele agiu com Kate sendo sua amante. Não podemos esquecer que toda a ideologia errônea dele o levou a estuprar Sol no passado, e os impactos na vítima são mostrados de todas as maneiras possíveis.
Outra forma que Sol sofre com o machismo é ela não poder ser dançarina e usar looks chamativos por ser “mãe de família”, mesmo que isso não interfira no seu caráter em momento algum. Aliás, a hipocrisia religiosa também e exibida com essa subtrama, quando os fiéis da Igreja a julgam ou fazem comentários invasivos sobre a vida dela.
Vamos encerrar com uma denúncia feita de forma bem-humorada: o retiro para homens “encontrarem sua masculinidade”, mostrando rapazes preconceituosos exalando sua masculinidade tóxica como se fosse uma virtude, além de agirem como “selvagens”. Mas Vitinho passou a pernas em todos eles, invalidando a homofobia do próprio primo, que organizava o evento.
E você, se lembra de outra representatividade em “Vai na Fé”? Teve alguma te marcou ou te fez refletir?
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Raphael Araujo Barboza é formado em Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. OFuxico foi o primeiro lugar em que começou a trabalhar. Diariamente faz um pouco de tudo, mas tem como assuntos favoritos Super-Heróis e demais assuntos da Cultura Pop (séries, filmes, músicas) e tudo que envolva a Comunidade LGBTQIA+.