Do romance à transfobia: Dor de Viviane expõe ferida social em ‘Três Graças’
Por Flavia Cirino - 26/11/2025 - 09:29

Quando a novela atinge a realidade, muitas vezes provoca incômodo necessário. Não por acaso, a novela “Três Graças” entregou uma das cenas mais impactantes da temporada na noite de terça-feira, 25 de novembro. Na ocasião, Leonardo (Pedro Novaes), aguardava ansioso a resposta ao pedido de namoro que fez para Viviane (Gabriela Loran).
Gabriela Loran comemora o papel em ‘Três Graças’
No entanto, ele encontrou uma revelação que desmontou o romantismo do momento. Ao descobrir que ela é uma mulher trans, o rapaz perdeu o controle, acusou Viviane de enganá-lo e disparou: “Você é um homem!”. A frase cortou o ar da farmácia e atingiu a personagem de forma cruel. E, conforme a repercussão mostrou, atingiu também o público.
A cena ficou entre os assuntos mais comentados nas redes, porque a reação agressiva de Leonardo dialoga com uma realidade que o Brasil insiste em manter. O país, de acordo com levantamentos recentes, ainda registra índices alarmantes de violência contra pessoas trans. Ou seja, a ficção não exagerou. A novela apenas expôs, com drama, o tipo de situação que muita gente enfrenta diariamente e que raramente recebe espaço no horário nobre.
Como Gabriela Loran era antes da transição?
A narrativa entregou um contraste forte: depois de semanas construindo um romance delicado entre os dois — desde o encontro no elevador, passando pelos flertes tímidos e pelos beijos carregados de expectativa —, o jovem herdeiro decidiu virar as costas no instante em que Viviane se abriu sobre sua identidade. O encanto ruiu, não por falta de afeto, mas por transfobia.
A força de Viviane e o talento de Gabriela Loran
Viviane, ferida e em choque, expulsou Leo da farmácia. Ele, desorientado, saiu pela cidade até cair em uma briga de bar que terminou com o rapaz espancado. Enquanto isso, nas redes, o público reagiu com fúria. Uma pessoa escreveu: “Que nojo do Leonardo! Ele passando a mão na boca… quero entrar na novela e acabar com ele.” Outra resumiu o sentimento de muitos: “O típico transfóbico de m*rda. Ama por cinco minutos e depois sai bostejando.”
O impacto da sequência também cresce por causa da interpretação de Gabriela Loran. A atriz, que vive Viviane com sensibilidade e firmeza, traz para a novela um histórico pessoal marcado por coragem, lucidez e determinação. Ela iniciou sua transição há nove anos, realizou a cirurgia de redesignação sexual em 2024 e narra esse processo com maturidade.
“Demorei oito anos para fazer do jeito que eu queria. Ficou muito perfeita”, revelou a artista, recentemente.
O que vem por aí em ‘Três Graças’
A trajetória dela inspira, especialmente porque muitas mulheres trans no Brasil enfrentam obstáculos gigantescos para acessar saúde, emprego e segurança. A novela, ao inserir Viviane como uma mulher competente, querida pela comunidade e capaz de protagonizar um romance sem fetichização, rompe um padrão. E isso, por si só, incomoda quem se apoia no preconceito para manter discursos ultrapassados.
Ao construir esse enredo, a trama escancara um ponto: não existe surpresa na agressão de Leonardo, porque a sociedade produz homens como ele diariamente. Homens que desejam, mas negam. Homens que elogiam, mas recuam. Além daqueles que amam em silêncio e atacam quando a masculinidade frágil desaba.
Tentativa de justificar o injustificável
Essa dinâmica aparece com nitidez quando ele diz ter se sentido enganado. O argumento surgiu como uma tentativa de justificar o injustificável, já que Viviane demonstrou afeto, respeito e sinceridade ao revelar uma parte íntima da sua história. Ele, no entanto, escolheu a vergonha em vez da honestidade emocional.
Gabriela Loran fala sobre representatividade
A novela acerta ao provocar esse desconforto, porque aponta problemas reais e, ao mesmo tempo, abre espaço para debates fundamentais. E, conforme o público demonstrou, existe demanda por discussões que tratem pessoas trans com humanidade — algo ainda raro na dramaturgia tradicional.
Cinco pontos que ampliam o impacto
- A construção do romance elevou a tensão dramática. A química entre os personagens reforçou a sensação de perda quando a transfobia explodiu.
- A atuação de Gabriela Loran trouxe credibilidade emocional. Ela imprimiu verdade ao sofrimento de Viviane sem cair no melodrama.
- A reação de Leonardo refletiu padrões sociais reconhecíveis. A novela retratou comportamentos transfóbicos comuns demais no mundo real.
- As redes sociais ampliaram a repercussão. A indignação coletiva mostrou que o público rejeita violência e exige narrativas mais responsáveis.
- A trama dialogou com dados reais sobre violência contra pessoas trans. O Brasil aparece, ano após ano, como país que mais mata pessoas trans, e a novela inseriu esse dado no imaginário popular sem precisar citar estatísticas.

Ex-No Limite é dono do coração de Gabriela Loran
Gabriela Loran, com 33 anos, vive seu papel mais potente no horário nobre depois de uma rápida passagem por “Renascer”. Ela já fez história ao se tornar, em 2018, a primeira atriz trans a interpretar uma personagem trans na TV aberta.
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Fora das telas, ela vive há um ano um relacionamento com Ipojucan Icaro, que participou do “No Limite”. O casal aparece com frequência em campanhas publicitárias e reforça a importância da representatividade em espaços que, durante muito tempo, excluíram corpos trans.

É jornalista formada pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em Jornalismo Cultural e Assessoria de Imprensa pela Estácio de Sá. Ela é nosso braço firme no Rio de Janeiro e integra a equipe de OFuxico desde 2003. @flaviacirino

























