Empatia e sororidade! Mulheres ‘dão o troco’ ao entregarem responsáveis por expor Klara Castanho

Por - 27/06/22 às 17:40

Maju Coutinho de vestido verde, Poliana Abritta de macacão preto e Klara Castanho no telãoReportagem feita apenas por mulheres deu outro tom ao delicado assunto - Foto: Reprodução/ TV Globo

Ao comportamento de não julgar outras mulheres e, ainda, ouvir com respeito suas reivindicações, chamamos de sororidade. À capacidade de você sentir o que uma outra pessoa sente caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente o outro a fim de tentar compreender sentimentos e emoções, chamamos de empatia.

No vocabulário moderno, made in 2022, quando algo é preciso, direto ao ponto, dizemos que é cirúrgico. E assim foi a reportagem exibida no “Fantástico”, na Globo na noite de domingo, 26 de junho, sobre Klara Castanho. Comandada por jornalistas mulheres, a reportagem demonstrou, na prática, sororidade e empatia.

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As apresentadoras, Maju Coutinho e Poliana Abritta, assim como a repórter Renata Ceribelli, tiveram a sensibilidade feminina suficiente para dar um viés. Expor nomes, tal qual foi feito com atriz, foi o “recado” mais do que dado: literalmente, pagando na mesma moeda.

Renata Ceribelli detalhou que a primeira notícia sobre o caso saiu com um post do influenciador Matheus Baldi, no último dia 24 de maio. Ele dizia que Klara Castanho teria dado à luz uma criança.

A pedido da própria atriz esse post foi apagado, mas a notícia se espalhou. Até então, o nome, tampouco a imagem, de Baldi estavam “na roda”.

Na sequência, o exposed de Antonia Fontenelle: “Na última quinta-feira, 23 de junho, a apresentadora Antônia Fontenelle incitou ainda mais os comentários contra Klara na internet”, disse a reportagem. 

“Sem citar o nome da atriz, ela disse em uma live, em tom bastante agressivo, que uma atriz de 21 anos teria engravidado e entregue o bebê para adoção. E depois disso, Klara se manifestou pela primeira vez sobre o assunto, através de uma carta aberta em sua rede social.”

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Por fim, a jornalista falou da participação de Leo Dias, do portal Metrópoles, que publicou um texto detalhando o caso e dando detalhes confidenciais sobre a identidade da criança. 

https://twitter.com/ruthepeixotto/status/1541250489202925568
https://twitter.com/tonls/status/1541252001551482881
https://twitter.com/ruthepeixotto/status/1541250489202925568

ADVOGADA DÁ SUPORTE À REPORTAGEM

Sob o prisma da lei, a advogada Fayda Belo amparou a reportagem e afirmou que Leo e Antônia Fontenelle podem responder por difamação.

O pedido de desculpas escrito pelo colunista também foi citado durante o programa.

“Ele diz que não deveria ter escrito nenhuma linha sobre esta história ou ter feito qualquer comentário sobre algo do qual não tem o direito de opinar”, disse a Renata.

Por fim, Lilian Tahan, diretora de redação do portal Metrópoles, admitiu através de suas redes sociais que “o site expôs de forma inaceitável os dados de uma mulher vítima de violência brutal” e informando que a matéria havia sido retirada do ar.

ENTENDA O CASO

Tanto o jornalista quanto a bolsonarista, candidata a deputada federal, criticaram e ajudaram a expor Klara Castanho. Em entrevista exibida no programa “The Noite”, no último dia 16 de junho no SBT, Leo Dias afirmou ter uma informação “inacreditável” acerca de uma atriz, chegando a declarar que a “conta” dela iria chegar, já que o caso “envolvia vidas”.

Antônia, por sua vez, declarou em uma live que uma atriz global de 21 anos teria engravidado e doado o bebê para adoção: “Ela não quis olhar para o rosto da criança”, disse a loira.

Mesmo sem citar o nome de Klara, os internautas rapidamente associaram as declarações à atriz, e começaram a atacá-la.

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CARTA ABERTA

Diante da onda crescente de ódio e mentiras sobre o caso, Klara Castanho sentiu a necessidade de compartilhar o que realmente havia acontecido. A atriz surpreendeu ao fazer uma carta aberta contando que foi vítima de um estupro, algo que resultou em uma gravidez indesejada há algum tempo. Além disso, Klara revelou que não fez o aborto e, após o parto, entregou o bebê à adoção.

Confira o relato de Klara Castanho, em carta aberta, na íntegra!

“Esse é o relato mais difícil da minha vida. Pensei que levaria essa dor e esse peso somente comigo. Sempre mantive a minha vida afetiva privada, assim, expô-la desse maneira é algo que me apavora e remexe dores profundas e recentes. No entanto, não posso silenciar ao ver pessoas conspirando e criando versões sobre uma violência repulsiva e de um trauma que sofri. Fui estuprada. Relembrar esse episódio traz uma sensação de morte, porque algo morreu em mim. Não estava na minha cidade, não estava perto da minha família nem dos meus amigos.

Estava completamente sozinha. Não, eu não fiz boletim de ocorrência. Tive muita vergonha, me senti culpada. Tive a ilusão de que se eu fingisse que isso não aconteceu, talvez eu esquecesse, superasse. Mas não foi o que aconteceu. As únicas coisas que tive forças para fazer foram: tomar a pílula do dia seguinte e fazer alguns exames. E tentei, na medida do possível e da minha frágil capacidade emocional, seguir adiante, me manter focada na minha família e no meu trabalho. Mas mesmo tentando levar uma vida normal, os danos da violência me acompanharam. Deixei de dormir, deixei de confiar nas pessoas, deixei uma sombra apoderar-se de mim.

Uma tristeza infinita que eu nunca tinha sentido antes. As redes sociais são uma ilusão e deixei lá a ilusão de que a vida estava ok enquanto eu estava despedaçada. Somente a minha família sabia o que tinha acontecido. Os fatos até aqui são suficientes para me machucar, mas eles não param por aqui. Meses depois, eu comecei a passar mal, ter mal-estar. Um médico sinalizou que poderia ser uma gastrite, uma hérnia estrangulada, um mioma. Fiz uma tomografia e, no meio dela, o exame foi interrompido às pressas”, ainda escreveu a atriz.

Fui informada que eu gerava um feto no meu útero. Sim, eu estava quase no término da gestação quando soube. Foi um choque. Meu mundo caiu. Meu ciclo menstrual estava normal, meu corpo também. Eu não tinha ganhado peso e nem barriga. Naquele momento do exame, me senti novamente violada, novamente culpada. Em uma consulta médica contei ter sido estuprada, expliquei tudo o que aconteceu. O médico não teve empatia por mim. Eu não era uma mulher que estava grávida por vontade e desejo, eu tinha sofrido uma violência.

E mesmo assim esse profissional me obrigou a ouvir o coração da criança, disse que 50% do DNA eram meus e que eu seria obrigada a amá-lo. Essa foi mais uma da série de violências que aconteceram comigo. Gostaria que tivesse parado por aí, mas, infelizmente, não foi isso o que aconteceu. Eu ainda estava tentando juntar os cacos quando tive que lidar com a informação de ter um bebê. Um bebê fruto de uma violência que me destruiu como mulher. Eu não tinha (e não tenho) condições emocionais de dar para essa criança o amor, o cuidado e tudo o que ela merece ter. Entre o momento que eu soube da gravidez e o parto se passaram poucos dias. Era demais para processar, para aceitar e tomei a atitude que eu considero mais digna e humana.

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No dia em que a criança nasceu, eu, ainda anestesiada do pós-parto, fui abordada por uma enfermeira que estava na sala de cirurgia. Ela fez perguntas e ameaçou: ‘Imagina se tal colunista descobre essa história’. Eu estava dentro de um hospital, um lugar que era para supostamente para me acolher e proteger. Quando cheguei no quarto já havia mensagens do colunista, com todas as informações. Ele só não sabia do estupro. Eu ainda estava sob o efeito da anestesia. Eu não tive tempo de processar tudo aquilo que estava vivendo, de entender, tamanha era a dor que eu estava sentindo. Eu conversei com ele, expliquei tudo o que tinha me acontecido. Ele prometeu não publicar. Um outro colunista também me procurou dias depois querendo saber se eu estava grávida e eu falei com ele”.

Mas apenas o fato de eles saberem, mostra que os profissionais que deveriam ter me protegido em um momento de extrema dor vulnerabilidade, que têm a obrigação legal de respeitar o sigilo da entrega, não foram éticos, nem tiveram respeito por mim e nem pela criança. Bom, agora, a notícia se tornou pública, e com ela vieram mil informações erradas e ilações mentirosas e cruéis.

Vocês não têm noção da dor que eu sinto. Tudo o que fiz foi pensando em resguardar a vida e o futuro da criança. Cada passo está documentado e de acordo com a lei. A criança merece ser criada por uma família amorosa, devidamente habilitada à adoção, que não tenha as lembranças de um fato tão traumático. E ela não precisa saber que foi resultado de uma violência tão cruel. Como mulher, eu fui violentada primeiramente por um homem e, agora, sou reiteradamente violentada por tantas outras pessoas que me julgam. Ter que me pronunciar sobre um assunto tão íntimo e doloroso me faz ter que continuar vivendo essa angústia que carrego todos os dias.

A verdade é dura, mas essa é a história real. Essa é a dor que me dilacera. No momento, eu estou amparada pela minha família e cuidando da minha saúde mental e física. Minha história se tornar pública não foi um desejo meu, mas espero que, ao menos, tudo o que me aconteceu sirva para que mulheres e meninas não se sintam culpadas ou envergonhadas pelas violências que elas sofrem. Entregar uma criança em adoção não é um crime, é um ato supremo de cuidado. Eu vou tentar me reconstruir, e conto com a compreensão de vocês para me ajudar a manter a privacidade que o momento exige. Com carinho, Klara Castanho”, finalizou.

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É jornalista formada pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em Jornalismo Cultural e Assessoria de Imprensa pela Estácio de Sá. Ela é nosso braço firme no Rio de Janeiro e integra a equipe de OFuxico desde 2003. @flaviacirino