A Viagem: Reprise reacende polêmica racial
Por Flavia Cirino - 17/10/2025 - 12:19

O sucesso da reprise de “A Viagem” no “Vale a Pena Ver de Novo” trouxe de volta não apenas a emoção do público, mas também uma antiga polêmica que marcou a exibição original da novela em 1994. Escrita por Ivani Ribeiro, a trama espírita emocionou ao abordar a vida após a morte, o perdão e a evolução espiritual. No entanto, cenas do “plano superior”, o céu na história, reacenderam discussões sobre representatividade racial na televisão brasileira.
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De acordo com registros da época, o folhetim, estrelado por Christiane Torloni, Antônio Fagundes e Guilherme Fontes, mostrava que os personagens bons ascendiam a uma dimensão de paz, enquanto os espiritualmente perturbados, como Alexandre, viviam no limbo. A ideia metafórica conquistou a audiência, mas incomodou entidades e artistas por um motivo: nas cenas do céu, não havia pessoas negras.
O episódio voltou a ganhar repercussão recente após exibição do capítulo em que Diná, interpretada por Christiane Torloni, morre e desperta no plano espiritual. As imagens – exibidas na reprise na quinta-feira, 16 de outubro – chamaram atenção nas redes por mostrarem um ambiente celestial composto apenas por figurantes brancos, algo que, em 1994, já havia provocado forte reação pública.
Reclamações e reações
Na época, entidades ligadas à valorização da cultura negra denunciaram a ausência de atores pretos no núcleo espiritual da novela. O produtor Carlos Dias, da agência Ceumar, afirmou que havia sido solicitado figurantes de diferentes etnias, mas os negros quase não apareciam nas cenas. “Eles pediram gente de todo o tipo, negro, branco, japonês e índio, mas nas primeiras gravações os negros quase não apareceram”, relatou.
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O episódio ganhou proporções nacionais quando Don Marco Maguila, da agência Afro Brasil, questionou diretamente a emissora. “Eu rodei a baiana lá na produção e perguntei se negro não entrava no céu”, disse na época. A cobrança também partiu de personalidades da música e da televisão. A cantora Alcione, ao assistir às cenas, criticou publicamente a ausência de representatividade e provocou: “Será que no céu só entram brancos?”.
Conforme produtores envolvidos na trama, a Globo havia escalado figurantes negros desde o início, mas muitos acabaram não sendo enquadrados nas gravações. A emissora preferiu não comentar o assunto, embora o debate interno tenha levado à inclusão de novos nomes no elenco.
Com a repercussão, a direção ajustou o roteiro e a fotografia para representar de forma mais diversa o plano espiritual. Pouco depois, a consagrada Léa Garcia apareceu em cena como Natália, espírito responsável por receber Diná e explicar sua passagem para o outro plano. A atriz foi uma das pioneiras na dramaturgia e teve papel simbólico ao ocupar um espaço até então ausente.
Além dela, o ator Antônio Pompêo também passou a integrar as sequências seguintes, reforçando a presença de artistas negros na história. Mesmo três décadas depois, o debate sobre inclusão e diversidade nas novelas continua atual, mostrando o quanto o tema permanece essencial nas produções brasileiras.
É jornalista formada pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em Jornalismo Cultural e Assessoria de Imprensa pela Estácio de Sá. Ela é nosso braço firme no Rio de Janeiro e integra a equipe de OFuxico desde 2003. @flaviacirino

























