MP-BA investiga possível racismo religioso após Claudia Leitte mudar letra de música
Por Flavia Cirino - 19/12/24 às 10:25
O Ministério Público da Bahia (MP-BA) iniciou um inquérito para investigar um possível ato de racismo religioso envolvendo a cantora Claudia Leitte. A apuração tem como base a mudança do nome de um orixá em uma de suas músicas. O fato aconteceu durante um show realizado no último dia 14 de dezembro, em Salvador, gerando repercussão.
No palco a artista alterou a letra da música “Caranguejo”. Claudia substituiu o nome de Iemanjá por Yeshua, nome de Jesus em hebraico, o que causou grande indignação.
No ensaio de verão da cantora no Candyall, em Salvador, ela cantou “Eu canto meu Rei Yeshua” e não “Saudando a rainha Iemanjá”. Vale destacar que ela fez isso anteriormente em outros shows desde 2014. O ato, que ocorreu após a cantora se converter ao evangelicalismo, não passou despercebido, sendo rapidamente compartilhado em vídeos nas redes sociais.
A polêmica gerada pela mudança de letra, que envolveu um orixá, levou a manifestações de repúdio por parte de diversos representantes culturais e sociais. A situação foi rapidamente denunciada pela Iyalorixá Jaciara Ribeiro e pelo Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro). Dessa forma, o MP-BA a abriu o inquérito. Haverá apuração de violação de direitos das comunidades de religiões afro-brasileiras, bem como possível ato de racismo religioso.
Autoridades reagem à atitude de Claudia Leitte
O MP-BA, por meio da Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, anunciou que o inquérito buscará avaliar a “responsabilidade civil diante de possível ato de racismo religioso” e a “violação de bem cultural”, além de possíveis consequências criminais. A investigação gerou ainda mais discussões nas redes sociais e entre autoridades locais.
O secretário de Cultura e Turismo de Salvador, Pedro Tourinho, também se manifestou sobre a situação. Ele expressou acima de tudo seu desagrado com a atitude da cantora e a mudança de letra. E ressaltou que o gesto poderia ser classificado como uma forma de racismo. Tourinho lembrou que Claudia Leitte sempre se envolveu com a cultura afro-brasileira. E destacou o axé music, gênero fortemente vinculado às religiões de matriz africana.
“Quando um artista se diz parte desse movimento, saúda o povo negro e sua cultura, reverencia sua repercussão e musicalidade. Faz sucesso e ganha muito dinheiro com isso, mas, de repente, escolhe reescrever a história e retirar o nome de Orixás das músicas. Não se engane: o nome disso é racismo”, afirmou o secretário, demonstrando apoio às religiões de matriz africana.
Reações na web
A polêmica repercutiu amplamente nas redes sociais, com muitos usuários concordando com as críticas feitas por Tourinho. A professora e escritora Bárbara Carine, também conhecida como “Uma Intelectual Diferentona”, se manifestou sobre o ocorrido, chamando a atitude de Cláudia Leitte de racismo religioso.
Carine, vencedora do Prêmio Jabuti, destacou que o axé music está intimamente relacionado à cultura e religiosidade afro-brasileira, e acusou a cantora de promover o que ela chamou de “terrorismo religioso”.
“É realmente revoltante o racismo religioso, eu diria até um terrorismo religioso, que essas pessoas instaram na nossa cultura. É extremamente revoltante o lucro com a demonização dessa cultura, porque é uma pessoa que vive do axé”, declarou a professora, acrescentando ainda mais combustível ao debate.
O ex-BBB André Gabeh fez uma publicação que viralizou. Ele fez o contrário de Claudia: colocou nomes de orixás em algumas canções conhecidas, inclusive um louvor.
Implicações e consequências
O caso gerou um debate profundo sobre a intersecção entre religião, cultura e o papel dos artistas na sociedade. Cláudia Leitte, que por anos fez parte do movimento de promoção do axé music e suas raízes culturais, agora enfrenta críticas por mudar a letra de uma de suas músicas de maneira a desassociar os orixás da sua arte.
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Esse episódio levanta questões sobre os limites da liberdade artística e a responsabilidade social dos artistas, especialmente aqueles que têm grande influência sobre o público.
A investigação do MP-BA também pode abrir precedentes para um olhar mais atento sobre como figuras públicas lidam com a cultura religiosa afro-brasileira em suas expressões artísticas, e se isso pode ser interpretado como uma forma de racismo religioso.
É jornalista formada pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em Jornalismo Cultural e Assessoria de Imprensa pela Estácio de Sá. Ela é nosso braço firme no Rio de Janeiro e integra a equipe de OFuxico desde 2003. @flaviacirino