Camila Pitanga: ‘Estamos vendo uma nova forma de falar sobre preconceito’

Por - 21/09/12 às 08:11

TV Globo

Protagonizar uma novela está longe de deslumbrar Camila Pitanga. Certa de sua vocação para a atuação e avessa à fama e outras vaidades comuns ao meio artístico, aos 35 anos a atriz valoriza traços de seus trabalhos que vão além da exposição excessiva que uma mocinha traz para seu currículo.

Atualmente na pele da sofrida Isabel de Lado a Lado, da Globo, Camila comemora o fato de poder, em seu primeiro folhetim de época, propor uma reflexão sobre o papel dos negros e, de quebra, da mulher do início do século passado. 

"É interessante comparar o Rio de Janeiro de 100 anos atrás com o de hoje. Estamos vendo uma nova forma de falar sobre o preconceito racial e contra as mulheres na história. Coisas que, infelizmente, até hoje a gente encontra", justifica.

Mesmo assim, prefere deixar de lado qualquer assunto que diga respeito à discriminação dos negros na sociedade. Para Camila, o mais importante não é isso.

"'Lado a Ladofala sobre os ex-escravos e seus descendentes se afirmando na sociedade. Com todas as dificuldades que foram impostas, mas se afirmando. E é assim que eu acho que deve ser visto", opina.  

O Fuxico – Essa é sua primeira novela de época. Com está sendo a experiência?

Camila Pitanga – Está me dando a oportunidade de pensar sobre esse tempo. E estou adorando. É a minha primeira novela no gênero, mas fiz uma minissérie de época, A Invenção do Brasil. Sempre que você olha para a história, acaba refletindo melhor sobre o hoje. Naquele tempo, havia a questão da mulher, do racismo, é verdade, mas tudo isso é bem contemporâneo. Só que em 1904 ganha tintas mais fortes. Mesmo a mulher rica e bem nascida passa pelos dilemas da sociedade. É muito interessante ver essa semelhança em duas realidades tão diferentes.

OF – A forma de falar em Lado a Lado não é rebuscada como em outras novelas de época. Que cuidados foram tomados com essa parte?

CP – A sensação que eu tenho é de tirar palavras contemporâneas. Mas o desejo é que a gente alcance algo mais neutro. Ninguém quer falar com o português castiço, que seria da época, ou com uma prosódia também muito antiga. Eu acho que é um meio do caminho. Eu, pelo menos, tenho esse cuidado.
                                                                                                                                           
OF – Seu cabelo é bem diferente do que a gente vê no ar em “Lado a Lado”. Como é feita essa transformação e quanto tempo demora?

CP – Nossa, eu acho lindo o resultado. E não parece, muita gente nem acredita, mas é o meu cabelo mesmo ali. Só que a gente trabalha bem a parte da frente. Demora um pouquinho porque eu tenho que praticamente trançar ele todo ainda molhado, usar o secador e, depois, soltar. Assim que a gente solta, ele fica na textura da peruca que complementa o meu visual. É um processo trabalhoso, chega a dar umas duas horas. Mas compensa.

OF – A Isabel é uma personagem que sofre bastante. Você sente que esse sofrimento gera uma empatia com o telespectador? Tem receio que isso se torne cansativo?

CP – Eu espero que crie essa empatia. Mas a Isabel é uma grande batalhadora. Uma mulher que, além das dificuldades da vida dela, dos desencontros com a sua família e com quem ela ama, vive um período histórico que, para as negras, foi muito difícil. Só que, mesmo assim, ela é bem resistente no que diz respeito à autoestima e aos seus valores. Isso faz dela uma personagem muito bonita. Como ela sofre, mas não perde a gana de lutar e de ir em frente, creio que pode comover bastante o pblico.

OF – Você já morou no Chapéu Mangueira, comunidade encravada em um morro no Leme, na Zona Sul do Rio. Você chega a encontrar nessa história de Lado a Lado algo da experiência que viveu nessa época?

CP – Pensando agora, sim. Mas eu nem tinha refletido sobre isso. A experiência que eu tive no Chapéu Mangueira foi muito bonita. Foi breve, durou um ano e meio ou pouco mais e, sem dúvida, faz parte do meu repertório. Acho que o povo brasileiro, principalmente o mais pobre, é muito unido. É um pessoal que tem solidariedade, corre atrás, arregaça as mangas e trabalha em conjunto. E acredito que não era diferente naquela época.

OF – Você faz par romântico com Lázaro Ramos, com quem já dividiu cenas em Insensato Coração. Como foi esse reencontro?

CP – O Lázaro é um grande amigo, uma inspiração para qualquer atriz. Mas o mais bacana é que, agora, são caminhos bem diferentes. No caso do André e da Carol, nossos papéis em Insensato Coração, o amor até tangenciava, mas não era verdadeiro de ambos os lados. Sempre que um queria, o outro não estava interessado. Em Lado a Lado, há um desencontro, mas essa não é a questão principal. Isabel é uma mulher à frente do seu tempo, que trabalha e é independente. Existe uma admiração dele por isso, mas é difícil também para um homem de 1904 admitir toda essa vanguarda. Aí aparecem os conflitos.

OF – Facilita fazer par com alguém que você já conhece?

CP – Sim, sem dúvida. Até porque já existe a cumplicidade, um jogo muito aberto para as cenas. Faz você afinar, pensar junto. Mas olha, isso eu estou conseguindo mesmo com o Rafael (Cardoso, que interpreta Albertinho), com quem eu não tinha trabalhado antes. Não tem sido um mérito só da minha relação com o Lázaro.

OF – Você tem muitas cenas de dança na pele da Isabel. Foi fácil se preparar?

CP – Eu amo dançar. Minha mãe tem formação em dança, é uma atividade que sempre esteve presente na minha casa.

OF – E você tem vontade de usar mais esse conhecimento profissionalmente?

CP – Bom, a vida vai levando. Mas é uma coisa que sempre pratiquei, já fiz diversas aulas. Inclusive esse ano eu fiz aula de dança para caramba. E isso sem imaginar que seria interessante para a novela. Explorei bem a dança contemporânea.

OF – Além da novela, você está à frente da apresentação do Som Brasil. Já gravou todos os episódios dessa temporada? E a próxima, continua com você?

CP – Ainda não. Tenho mais dois que devo gravar até o final do ano. Sobre 2013, aí é um assunto para o ano que vem. Todo ano a gente conversa e decide o que vai acontecer. Mas a minha vontade, é claro, é de continuar com o programa. Eu amo fazer.

OF – Você sempre foi ligada à dança, já usou a música para compor personagens e apresenta um programa musical. Em algum momento pensou em fazer algo como cantora?

CP – Eu sou atriz. Mas gosto de dançar e cantar. Desenvolvo os meus instrumentos para poder melhorar minha atuação e um deles é a minha voz. Acho que é sempre bom para o ator criar mais conhecimento, ter habilidades específicas. Então, quem sabe?

OF – Você nunca pensou em fazer um musical?

CP – Eu adoraria. Já andei conversando sobre isso. É, de fato, um desejo meu. Mas estou falando de algo que eu gostaria de desenvolver. Porém, não tem uma semente clara a respeito disso. Ainda não é um projeto, trata-se apenas de um sonho. Por enquanto.

 Lado a Lado – Globo – Segunda a sábado, às 18 h.

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