Fernanda Montenegro: ‘A profissão de ator é um artesanato violento’
Por Redação - 18/04/18 às 13:05
Na definição do dicionário, Dama é o nome genérico dado à uma mulher de bons modos, com boa educação, nobre e distinta. A palavra "dama", como uma forma de tratamento, também é usada para chamar de maneira atenciosa, respeitosa e honorífica as mulheres em geral, independente do seu estado civil.
Dama ainda pode ser a designação dada à mulher que acompanha o homem (cavalheiro) em uma dança clássica. Nos jogos de cartas, a "dama" é a representação do número doze, carta que antecedo o rei e sucede o valete.
Misture tudo isso, acrescente muita doses de talento, competência, comprometimento e amor pela vida. Resuma a definição em um nome próprio: Fernanda Montenegro. No ar como a vidente Mercedes, em O Outro Lado do Paraíso, novela de Walcyr Carrasco que segue para a reta final na Globo, a atriz de 89 anos atendeu gentilmente a Imprensa na terça-feira (17), antes de começar a gravar cenas de sua personagem, nos Estúdios Globo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Num bate-papo com direito a lágrimas discretas ao falar no falecido marido, risos diante o casamento na ficção, piadas e muitos ensinamentos, a Dama da TV só evitou falar sobre política.
"Eu não vou entrar nessa seara. A única coisa que digo é que tudo, absolutamente tudo o que fazemos, é um ato politico".
Confira os principais trechos da entrevista.
Sobre Mercedes
A gente tem que estar disponível e buscar desenvolver o personagem para os quais somos chamados. A Mercedes é um personagem novo, interessante, um desafio e adorei fazer uma velhinha rezadeira. Me veio essa personagem que não tem idade, tem essa mística bem brasileira. Ela tem tantas religiões juntas, o que é maravilhoso. Adorei fazer, trabalho com uma equipe extraordinariamente amiga e talentosa. Na TV, foi um personagem absolutamente novo, daí o encanto de fazê-la. Como não vou nunca fazer uma das feiticeiras de Macbeth, aceitei fazer a querida Mercedes.
Semelhanças entre personagem e a atriz
Ela em uma mística que acho que tenho. Se você dúvida de algo, é por que acredita. É tão do povo brasileiro, tão da nossa crença popular, foi uma grande inspiração do Walcyr. Tenho uma formação muito católica, mas o catolicismo popular. Meu bisavô tirava mau olhado com reza e padre nosso.
Atores veteranos
O grande sucesso popular dessa novela se deve a vários fatores. Trouxe atores que estão indo de 90 pra 100 anos. Tem também os que estão caminhando de 70 para 80, mas é adolescência ainda. É uma novela corajosa, os mais velhos tiveram espaço na história, na dramaturgia da novela. Não foi só botar um senhorzinho e uma senhorinha pra fazer a transição. O Walcyr deu espaço pra nós e nos entrosamos muito bem. É tão interessante isso. É absolutamente novo na dramaturgia. Não tenho notícia de 5 velhos juntos, e, pelo que posso perceber, a gente ainda anda, fala e convence as pessoas.
Casamento de Mercedes e Josafá
Esse casamento.. houve um despreparo e não sei se até o fim da novela terá um preparo pra isso. Vou esperar pra ver se até o desfecho da novela eles ficam só de mãos dadas ou vão além disso.
Casamento fora da ficção
Meu casamento foi em 1953, cheguei a noivar, fui moça que noivou e casou de vestido de noiva protegido. Agora as jovens casam quase de seios de fora. A gente casava de manga. comprida, fechadinha.
Saudades do marido, Fernando Torres
Foram 60 anos de vida muito cumplicidade não só da porta de casa pra dentro, mas também na nossa profissão. Quando ele se foi, alguma coisa mudou. A vida me levou pro cinema, continuou me levando pra TV mas se eu tivesse que fazer uma chamada de companhia eterna seria para ter o Fernando de volta, se pudesse. Tenho que agradecer a Deus por esse homem ter entrado na minha vida e eu na vida dele.
Vida contada em livros
Será lançado meu livro de memórias, pelo SESC de São Paulo. São 73 anos de vida pública e ali tem o que sobrou de fotos da vida particular. Será lançado em agosto na Bienal. Estou preparando também um autobiografia
Personagens e momentos inesquecíveis
São muitos anos, muitas frentes, serei injusta com qualquer momento da minha vida se destacar algum deles. Foi sempre na alegria de estar exercendo a minha vocação. Como estou mexendo na minha memória, a gente pensa que determinado assunto está esgotado mas a medida que você vai dando toques na memória, abre possibilidades. E dá margem a questionamentos. Como vim pra essa vida? Como sobrevivi num país desse?
Extinção da exigência do DRT
A profissão continua. O que se discute é a formação para se chegar até ela. No modo de encarar o vale de lágrimas que é a nossa profissão, toda maneira de amar vale a pena. Vale as escolas e o sindicato.
Trabalho ativo aos 89 anos
O folhetim, que é a base de novelas, requer um leque de idades que se fale de estrutura com a mocinha, o mocinho, os empregados, tudo num leque de personagens. O folhetim necessita desse leque de idades e histórias e precisa que os personagens se choquem ou se achem. Toda novela tem desde a criança ao velhinho. Uma geração plena, uma que está começando, uma que está no meio do caminho e outras que está indo. Mas é extremamente exaustivo. Essa novela é um longa por mês.
Pidões
Teatro tem algumas coisas… Tem que entender que aquilo é uma criação, um trabalho. O Brasil tem uma coisa horrenda em matéria de arte. Quem pode comprar, acha que tem que ser convidado. O prefeito, o deputado, tem que ter o convite, é muito estranho isso. Faço uma profissão que não entra no apertar de um botão e sim num artesanato violento. Você sai de casa e tem que ter ambição artística e é artesanal.
Feminismo
A batalha do feminino é importante. Somos todos criaturas independente de sexos, somos criaturas. Durante séculos a mulher não entrava em cena e quando ela veio pra cena foi um dos maiores ganhos do feminismo. O teatro necessita desse choque da crise e da sexualidade. Mas o espaço teatral não tem sexo. Dia a dia se espraia a ideia de que somos, antes de mais nada, criaturas. Nos velhos tempos você nem votava, uma viúva não podia chegar a janela sozinha, uma jovem tinha que ser virgem. É preciso que haja, fundamentalmente e sem rancor, a igualdade que todos merecemos.
Desemprego
A realidade nossa não vem de agora. Desde 2015 temos milhões de desempregados de carteira assinada. Tem que ter esperança. Tudo na vida é político.
Juventude na arte
Jovens representam um reconhecimento a uma sobrevivência numa profissão que eles estão chegando e vão sobreviver nisso. Quando eu tinha 15 anos, queria uma profissão que me permitisse sobreviver. Tinha como ídolos Bibi Ferreira, Dulcina de Moraes, Procópio Ferreira, e muitos outros.
O Outro Lado da Fama
Todo dia é um começo. O lado ruim é acreditar na fama. A partir daí é um circo dos horrores, tem que estar alerta. Teria que ir pra casa e fazer um levantamento de tanta coisa…
Tecnologia
No meu telefone, eu só sei ligar, fazer alguns telefonemas. Não sei nada! Tenho uma pessoa que faz as coisas pra mim. Prefiro ainda ler um livro. Quando preciso decorar, pego meu papelzinho. Não sei como será quando os capítulos não vierem mais em papel. Por outro lado, estamos na era da tecnologia, tenho que me acostumar a isso.
Horror a selfie
A aproximação das pessoas é muito humanizada. Só lembro de uma vez, num hotel, eu estava almoçando e um homem, atras de uma pilastra, estava me filmando. Pedi pra parar e perguntei quem havia autorizado. Mas fora isso, por que vou ficar incomodada se vivo me exibindo há 73 anos? Qualquer tribo de índio tem uma TV, como vou me chatear? Tem o negócio da selfie, essa é uma coisa que me incomoda. Quando posso, tiro. Na maioria das vezes, não.
Cabelos brancos
Não sei se ele vai continuar assim, só com a personagem que vi que realmente estava todo branco. A Mercedes me deu essa felicidade, deixei o cabelo vir branco e é um absoluto conforto.
Intervenções estéticas
Se você começar a se restaurar muito, numa hora não terá mais lugar. Tem uma hora que não tem mais papel pra você. Por mais que você faça pilates, as suas juntas não te obedecem. Imagine se eu chegar aqui toda esticada? Não terá mais emprego pra mim. Ainda mais mum meio eletrônico de cinema e TV. É melhor ter a cara que Deus me deu.
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