Graziela Gonçalves sobre Chorão: ‘Ele exaltava sentimentos’

Por - 04/12/20 às 17:52

Reprodução/Instagram/ Tatiana Lafraia

Charlie Brown Jr. é uma das bandas mais icônicas e significativas de todos os tempos em solo nacional. O grupo que era liderado por Chorão reuniu diferentes públicos: desde quem curtia rock até skatistas e caiçaras. Com letras que falavam sobre a vida, amor e questões políticas e sociais do país, a banda deixou um legado imenso e que se reflete na cultura e música brasileira até os dias atuais. 

Graziela Gonçalves, viúva de Chorão, lançou em outubro de 2018 o livro "Se não eu, quem vai fazer você feliz?", em que contou sua história com o músico por meio de uma perspectiva detalhada e pessoal de todos os anos que passou ao lado de Alexandre e da banda. Tendo como título uma frase da música "Proibida Para Mim", dedicada a Graziela, o livro hoje já chegou na décima reimpressão e é um sucesso para diferentes públicos. 

Em entrevista exclusiva ao OFuxico, a estilista comentou um pouco mais sobre como foi o processo de escrita da obra e do que Charlie Brown Jr. significou e ainda significa para toda a cultura brasileira contemporânea. 

Autênticidade de Chorão 

Alexandre (Chorão) sempre foi conhecido por seu temperamento vivo e real, traços de sua personalidade que o fizeram ainda mais querido pelo público que se identificava com suas falas, letras e atitudes, incluindo desde seus atos mais explosivos até as lições de vida mais intimistas transmitidas pelo artista.

“O Alexandre tinha uma qualidade única de se permitir ser uma pessoa autêntica, não tinha medo de expressar suas opiniões ou o que sentia. No palco e na vida privada ele nunca achou que deveria passar uma imagem de perfeição. Acredito que isso faz, até hoje, com que as pessoas se identifiquem com ele e com as músicas que ele compôs.”, contou Graziela a respeito do assunto.

 

Espírito da banda: unindo todas as tribos

Essa mesma espontaneidade presente no grupo também pode ser considerada um dos fatores responsáveis pela grande junção de tribos que o Charlie Brown Jr. conquistou, já que é difícil não se ver em pelo menos uma das diversas letras da banda e entrar no clima do grupo que veio da Baixada Santista. 

“Apesar de ter uma imagem de durão, o Alexandre nunca teve medo de cantar sobre seus sentimentos, sobre fé, sobre a importância que dava para os seus pais, seu filho, para mim e para as pessoas que estavam ao seu lado. Ele exaltava sentimentos que estão dentro de todos nós, não importa a camada social, credo ou gosto musical, isso sem dúvida sempre foi o grande fator que fazia com que tantas pessoas diferentes gostassem muito de Charlie Brown Jr.”, comentou Grazi.

O livro: Se Não Eu, Quem Vai Fazer Você Feliz?

A ideia para pôr em palavras a história de amor que já tinha sido transformada em músicas do grupo caiçara surgiu pelo editor da obra, Bruno Porto, conforme explicou a estilista e autora do livro:

“Foi o convite do Bruno Porto, que foi o editor do meu livro Se Não Eu Quem Vai Fazer Você Feliz, que me fez pensar a sério em escrever. Antes disso, eu já havia recebido outras propostas, mas o Bruno me deu a liberdade e o incentivo necessários para que eu encontrasse o formato e tivesse tempo o suficiente para amadurecer o texto que veio a se tornar o livro.”

Ao contar sua trajetória com Alexandre, Graziela tocou em diferentes questões importantes relacionadas à imagem feminina dentro de um relacionamento e certas idealizações que acabam acontecendo involuntariamente devido a moldes e padrões sociais. Ao mostrar um relato tão pessoal e verdadeiro, a resposta do público foi a mesma, através de mulheres que se identificaram com a narrativa da eterna musa de Proibida Para Mim, Ela Vai Voltar, Lutar Pelo Que É Meu e muitas outras canções. 

“Minha vida girava muito em torno do meu casamento, da banda e de tudo que isso trazia. Aos poucos fui sentindo uma necessidade natural de ter a minha individualidade cultivada e de dar mais atenção às minhas aspirações profissionais. Sinto que os moldes da nossa sociedade ainda empurram muito as mulheres a se dissolverem dentro da relação em que estão, mas consigo enxergar uma luz no fim do túnel. Muitas de nós já estamos percebendo o quanto esse molde pode ser prejudicial para nossa individualidade e também para nossos relacionamentos. Cultivar nossa independência financeira e profissional é essencial para qualquer ser humano e deve ser visto como algo natural e saudável para todos. Preciso deixar claro que pra mim não foi fácil perceber isso, foi um processo. Existe um momento do livro em que levanto questões, começo a romper esses paradigmas e me dou conta do quanto é importante termos nossos limites e respeitá-los. Esse trecho encontrou eco na história de muitas mulheres que se identificaram com essa luta. Recebo muitos relatos de mulheres em situações semelhantes me contando como elas se deram conta dessas questões ao ler meu livro. Isso é uma das coisas mais recompensadoras para mim.”, comentou Graziela sobre o processo de reencontrar sua individualidade e as respostas que obteve com a repercussão do livro.

A idealização da mulher como musa

E falando de musa, esse também é um dos temas abordados em "Se Não Eu, Quem Vai Fazer Você Feliz?", quando Graziela fala de como muitas vezes a deusa do artista que inspira canções e músicas acaba se tornando uma imagem quase mítica e intocável. Sobre ter ganhado tantas letras de presente e a representação feminina neste contexto, Grazi comentou:

“Sempre vou ter carinho e gratidão por tudo que vivi, por ter sido a musa inspiradora de muitas canções de um dos artistas mais importantes da nossa música contemporânea. O que fica nas entrelinhas é o que precisa ser dito. A figura da mulher nesse contexto fica muito limitada a essa criatura intocável que eu cito no livro. O que necessita ser dito e reconhecido é a importância e participação da mulher em infinitas coisas que dão as condições para seu parceiro alcançar suas vitórias. Seja lado a lado, tendo uma profissão e levando dinheiro para a casa ou seja dentro do lar, a mulher é geralmente a grande base de tudo e já passou da hora de darmos valor pra isso.”

Sobre a canção Ela Vai Voltar: "Não tem como não me emocionar cada vez que escuto essa música até hoje, sem dúvida é uma das minhas preferidas. Saber que ela é dedicada a tantas pessoas pelos seus parceiros só deixa tudo muito mais especial."

Processo de se (re)descobrir 

Graziela explicou que o processo de se descobrir novamente em meio a contextos tão complexos e que envolvem diferentes sentimentos e relações foi algo delicado e que se aplica de uma forma diferente para cada pessoa. Inclusive, ela pretende abordar mais sobre a temática em seu próximo livro, tendo em vista a resposta tão grande e positiva que teve com a publicação de "Se Não Eu, Quem Vai Fazer Você Feliz?"

“O novo livro que estou escrevendo  fala sobre o que aprendi quando tive que viver comigo mesma e de tudo que me levou a ser a mulher que me tornei hoje. Acho importante falar que não existe uma fórmula mágica. Se redescobrir é um caminho, é um processo que pede que a gente se olhe sem medo e é exatamente isso que procurei fazer, reconhecendo meus defeitos e minhas qualidades sem medo ou julgamento. Se redescobrir é uma construção diária, é ter atenção consigo e se acolher com muito amor.”

Acerca do sucesso com o primeiro livro:

“Eu esperava que houvesse interesse por se tratar de uma história em que um dos personagens é um ídolo para muita gente. Mas, realmente me surpreendi com o carinho e interesse de tantas pessoas. Não tem sensação melhor do que sentir que de alguma forma minha história tocou o coração das pessoas.”

Com certeza se você é fã de Charlie Brown Jr. ou apenas gosta das músicas e da história da banda, já deve ter ouvido a frase: “Sempre que desejar algo, pode pedir ao pôr do sol. Ele é o melhor mensageiro de Deus”. 

Para Graziela, a ‘Grazon’ de Chorão, o famoso mantra dito por ela e que Alexandre  adotou com carinho para si reflete tudo aquilo que oferecemos aos outros nessa vida.

“É maravilhoso sentir que algo que acredito e aplico na minha vida teve tanta ressonância na vida do Alexandre e, por meio dele, alcançou tantas pessoas. Fico muito feliz quando recebo essa frase de volta de algum fã, pois fica claro que nessa vida o que vale é espalhar o máximo de coisas boas que a gente puder. Realmente muito do que recebemos é um reflexo do que doamos ao mundo", finalizou a escritora.

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