Maestro João Carlos Martins emociona em primeira apresentação presencial

Por - 01/12/20 às 14:00

Ará Rocha

Uma segunda-feira (30) quente e chuvosa no final do dia. Mas cheia de emoção. Foi a primeira vez, desde que a pandemia por conta do novo coronavírus começou, que o Maestro João Carlos Martins, a Orquestra Bachiana Filarmônica e as Três Sopranos, se apresentaram presencialmente. O local escolhido foi o Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo.

Logo no início, ao entrar no palco e ser recebido com aplausos de uma plateia reduzida por conta dos cuidados em relação ao isolamento social e em pé, o Maestro esbanjou emoção.

“Vocês não imaginam como é bom ouvir esses aplausos presenciais. Desde o início da pandemia, fazemos lives, mas essa energia, esse carinho e calor de vocês estava fazendo uma falta danada. E esta é uma apresentação diferente, com variações, com canções diferentes que vocês vão gostar”, disse.

Os efeitos do novo coronavírus no mundo dos famosos

 A apresentação, totalmente gratuita, realizada por meio da Lei de Incentivo à Cultura, foi menor, com uma orquestra também reduzida, mas emocionante do começo ao fim e contando com o braço direito de João Carlos: o maestro Heitor Fujinami, com quem revezou a regência.

As Três Sopranos

Quem aí não se lembra do sucesso na reunião dos Três Tenores: Plácido Domingo, José Carreras e Luciano Pavarotti, que entoavam sucessos durante a década de 1990 até início dos anos 2000? Pois é, agora, o Maestro traz a versão feminina desse trio, com uma potência de arrepiar. São elas Amanda Souza, Anna Beatriz Gomes e Jessica Leão.

Anna Beatriz Gomes encantou, ao entrar no palco vestida de boneca, para interpretar a Ária da Boneca, abertura da última e mais popular obra de Jacques Offenbach, a ópera fantástica Os Contos de Hoffmann.

Depois foi a vez de A Rainha da Noite, com Jéssica Leão interpretando a ária da ópera A Flauta Mágica, considerada uma das mais difíceis a ser cantada solo pelo seu agudo altíssimo. E Jéssica arrepiou!

Quando Amanda Souza entrou com sua voz nítida no palco entoando a clássica O Mio Babbino Caro, considerada uma das mais belas obras de Giacomo Puccini, composta especialmente para a voz feminina de soprano e imortalizada por Maria Callas, muitas pessoas na plateia deixaram aquela lágrima emocionada rolar pelo rosto. Inclusive esta jornalista que vos escreve!

Maestro João Carlos Martins ‘foge’ de hospital para se apresentar. Entenda!

No final do espetáculo, as três voltaram juntas ao palco, numa apresentação belíssima onde dividiram Con Te Partirò, composta por Francesco Sartori (1995) para o, na época, estreante Andrea Bocelli. A canção foi lançada no álbum Romanza e virou símbolo de Bocelli. O trio fechou o concerto As Três Sopranos com Parla Piu Piano, de Nino Rota, lançada em 1972, conhecido como o tema do filme O Poderoso Chefão.

As três sopranos Anna Beatriz Gomes, Jessica Leão e Amanda Souza

 

Piano, violinos, emoção

Wolfgang Amadeus Mozart, com o primeiro e o quarto movimentos da Sinfonia nº 40, Molto Allegro e Allegro Assai, trouxe Martins e Fujinami dividindo a regência, cada um em uma parte.

João Carlos Martins trouxe a 1ª das 21 Danças Húngaras de Johannes Brahms, conhecida por conta da cena na barbearia do filme O Grande Ditador, de Charles Chaplin. Elas foram compostas em 1869 e transcritas pelo compositor para orquestra em 1874. 

João Carlos Martins emocionou novamente ao público presente, falando sobre poder tocar piano com o movimento de todos os dedos, após anos de batalha.

“Depois de 22 anos, posso hoje, com a ajuda dessas luvas extensoras, usar meus dez dedos para tocar o piano”.

Sob a regência de Heitor Fujinami, o Maestro deixou a plateia em silêncio absoluto com três clássicos: Adiós Nonino, do músico e compositor argentino Ástor Piazzolla, Yesterday, de Paul McCartney lançada no álbum Help (1965) e Love of My Life, canção escrita por Freddie Mercury, que está no álçbum da banda Queen, A Night at the Opera (1975).

No final do espetáculo, Martins falou sobre uma vitória:

“Ver uma plateia reduzida com tamanho calor, me fez sentir como se eu estivesse tocando para duas mil pessoas. Esta apresentação, na verdade, parece uma grande reunião de família. E de tudo isso, com essa beleza, com uma sinfônica reduzida, onde geralmente temos mais de 60 pessoas, o som, a emoção desta noite me faz dizer algo muito importante: a música venceu!”

Sim, querido maestro, a música venceu e sempre vencerá, ainda mais quando trazida de forma tão latente às pessoas, com tamanho amor e com a capacidade de arrancar suspiros, deixar os olhos vidrados e os ouvidos atentos à cada nota musical. Obrigada, João Carlos Martins, por essa oportunidade!

Confira momentos da apresentação:

 

Superação pós perda de movimentos

Em 1965, num jogo treino da Portuguesa realizado no Central Park, Nova Iorque, ele foi convidado para integrar o time, mas caiu e perfurou seu braço direito na altura do cotovelo, atingindo o nervo ulnar e provocando atrofia em três dedos, o que o fez parar de tocar piano. Voltou aos palcos, com muita dificuldade depois de longos períodos de fisioterapia. Desenvolveu distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (Dort), que o fez sair de cena novamente. Fez várias adaptações para continuar tocando, de 1979 a 1985 gravou algumas obras de Bach. Em 1995, em um assalto, na cidade de Sófia, na Bulgária, ele sofreu um golpe na cabeça com uma barra de ferro, o que provocou uma sequela neurológica que comprometeu o membro superior direito. Precisou de treinamentos para uma reprogramação cerebral para conseguir movimentar a mão direita. Retomou seu trabalho tocando piano, mas apresentou problemas no braço direito e na fala. Após se submeter a um novo procedimento cirúrgico, conseguiu retornar e gravar seu último álbum tocando com as duas mãos. Em 2020, com a ajuda das luvas extensoras criadas especialmente para ele pelo designer Ubiratan Bizarro, ele volta a usar todos os dedos para fazer música no piano.

Maria Bethânia e João Carlos Martins se apresentam em SP

João Carlos Martins observa a regência de Heitor Fujinami

Maestro João Carlos Martins conversa com a plateia

Maestro João Carlos Martins ao piano, tocando Yesterday, de Paul McCartney

---