Tony Ramos: ‘Respeito não tem tradução’

Por - 06/03/18

Divulgação/Globo/João Miguel Júnior

Se existe unanimidade na TV nacional, se chama Tony Ramos. Na reta final de Tempo de Amar, novela exibida na Globo na faixa das 18h, o renomado ator não se privou de – pacientemente – receber a Imprensa num intervalo de gravação nos Estúdios Globo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Com sua habitual gentileza, Toni foi enfático ao resumir o que não classifica como segredo, mas de estilo de felicidade.

"Não tenho redes sociais. Não faço fotos para provar felicidade aos outros e não condeno quem o faça. Mas levo uma vida muito simples, cuja base é o amor". 

Confira a entrevista!

OFuxico: Seu personagem, José Augusto, teve sua fase de vilania, mas se redimiu dos erros pedindo perdão à filha. Como ator, que tal o exercício dessa virada de jogo?

Tony Ramos: É interessante essa virada mas ao mesmo tempo o escritor já nos perguntava: 'O que é um vilão de fato?'. Estamos muito acostumados com o vilão psicopata. Fiz um em A Regra do Jogo, pois só tinha amor para uma filha e um filho. Um homem que deve ter tido uma infância horrorosa ou nasceu com aquela índole ruim. O Zé Maria era assim, se mascarava para cuidar dos filhos, mas fazia coisas desesperadoras. Em Tempo de Amar, essa vilania aos olhos do público é algo como: 'Meu Deus, como tem coragem de fazer isso com a própria filha?'. Esse é o raciocínio de hoje. Muitas senhoras com quem conversei que têm 90 anos, e até minha mãe disseram: 'Isso é triste, mas conheço pelo menos uns três casos como este no interior de São Paulo'. A gente tem que saber lidar com isso, por isso a virada da personagem, sendo o José Augusto um homem viajado que negocia com estrangeiros, aconteceu de forma que ele se deu conta da agressividade que cometeu, o que é muito bonito e mostra a contradição do próprio ser humano.
 

OF: O reencontro com Regina Duarte garantiu bons momentos na trama…

TR:  Reencontrar Regina dispensa qualquer comentário. Minha querida companheira, amiga, uma atriz que é um ícone da história da televisão brasileira. Nossa reunião foi um exercício de atores, houve até mesmo uma citação à novela Rainha da Sucata quando ela fala em Laurinha Figueiroa, e houve ali uma metalinguagem do Alcides Nogueira, que era coautor de Rainha da Sucata junto com o Silvio de Abreu.  Houve um jogo interessante entre nós. Foi um reencontro de muito humor e tivemos tanta sintonia que não precisamos sequer repetir nenhuma cena. Todas foram feitas de primeira.

OF: E que tal é atuar com essa geração nova?

TR: Uma geração muito boa por sinal. Olhe a Vitória Strada gente, ela não veio para brincar, ela veio para ficar. A Olívia Torres, fez cenas essa semana que me comovi muito. O Bruno Ferrari com quem não trabalhei anteriormente, é um belíssimo ator, consciente e inteiro. O Bruno Cabrerizo, que tem uma história de 14 anos na Europa, e ontem encerrou o capítulo com aquele olhão enfrentando o Ferrari. É uma turma jovem de primeira. Todas as meninas, a gente encontrou uma turma primorosa. Bato papo com todos os atores jovens, mas nunca com o tom professoral. Às vezes a pessoa tem uma dificuldade cênica naquele momento e me pede opinião, aí aconselho, mas só isso. É uma turma valorosa. Sabe qual o problema tivemos nessa novela? Nenhum.  É incrível. Minhas cenas com Letícia Sabatella foram comoventes, e vou gravar uma hoje brava, muito bonita. Sinto muita alegria.

OF: Tony Ramos ainda é, na melhor idade, um galã. Existe receita?

TR: Eu sou um senhor e a coisa que mais gosto na vida é de assumir a minha idade, porque nunca tive crise. Não tive aos 30, nem aos 40, 50, 60 e não vou ter aos 70. Sou muito grato a Deus, e respeito quem não acredita. Fui criado por uma mãe que era separada de meu pai, e imagine como era isso nos anos 60, era como um palavrão e ela foi forte e lidou muito bem com isso. Ela sempre me criou dizendo que a vida é libertária e os homens é que a tornam proibitiva. Cresci respeitando as mulheres, a vida, cada um de nós e respeitando o tempo dentro de nós. Nós vamos envelhecer e envelhecer é uma dádiva. Para quem acredita em um ser maior como eu isso é uma permissão maior. Eu adoro a novela O Outro Lado do Paraíso, e fico muito feliz ao olhar para Lima Duarte, Laura Cardoso, Fernanda Montenegro, Ilva Niño, porque é uma benção estarmos em pé e trabalhando com a permissão de Deus. Quando Laura fez 90 anos, telefonei para ela e fiquei muito emocionado porque eu comecei junto com ela. Às vezes a gente se olha no espelho e não aparenta ter a idade que tem, não aparento ser um setentão mas sei que tenho e não vou negar essa passagem do tempo. O fato é que não complico para viver, sou muito naturalista para comer, isto é, como naturalmente tudo. Vou vivendo na paz de Deus, faço meus exercícios, não por vaidade. Se tenho bons tônus muscular é que quero ter boa saúde. Minha vida é muito simples mesmo que a profissão exale um certo glamour, mas para mim nunca houve nenhum glamour. Glamour para mim é entrar no meu carro e voltar para a casa, ouvindo a CBN na hora do esporte, batendo papo comigo mesmo, chamo minha esposa para jantar junto comigo. Claro que quem deve estar lendo, vai pensar: 'Ah ta que é assim'. Não é assim, para ficar assim leva-se um tempo, um exercício de toda uma vida. Não podemos parar de nos exercitar intelectualmente, humanisticamente e politicamente.
 

OF: Seu nome é um dos poucos que mantém distância de qualquer confusão, fofoca, escândalo, seja no âmbito pessoal ou profissional. Como conseguiu se manter assim  sem ninguém invadir sua privacidade?

TR: Respeito não tem tradução. Realmente ninguém invade, mas isso é fruto de um acordo tácito entre a imprensa e eu. Nunca me furtei a nenhuma pergunta, mesmo em momentos mais difíceis. Sou rápido e nunca compliquei essa relação, mas também nunca facultei publicamente o meu cotidiano a ninguém. Eu saio com minha mulher, com meus netos, os fotógrafos que ficam de plantão na rua já me fotografaram inúmeras vezes com filhos, netos, com minha mãe, com minha companheira, e minha vida continua sendo normal fora de casa. Dentro de casa, ela não está aberta à visitação pública. Como não tenho rede social, e falo isso com muito cuidado para não ofender a quem tenha, nem estou dizendo que estão errados aqueles que têm, mas esse não é o meu perfil. Eu viajo muito com minha mulher, em lugares que as pessoas nunca pensaram em ir, e fotografamos tudo, mas para nós dois. Não coloco na rede. Realmente não abro mão da minha vida privada, porque ela não tem nada rocambolesco, é apenas a vida de um homem que ama sua companheira. Difícil é poder dizer 'Eu te amo', porque temos que saber dizer com o peso que isso encerra. Quando eu digo à ela isso, ela sabe bem o que quer dizer. Essa é minha vida pessoal, o resto é perfumaria. Só me interesso ao meu cotidiano, que é o que me traz para o trabalho. E no trabalho já fiz várias coisas que remetem ao pessoal, já fiz cenas de nu, cenas de beijo, cenas de cama, e o que é isso? Trabalho. Claro que um ator está sujeito a se apaixonar por uma colega, assim como um jornalista está sujeito a se apaixonar por uma colega no seu ambiente de trabalho. Não sejamos maniqueístas e corporativos. Minha mãe casou-se 3 vezes, e o filho casou uma vez só. Meus colegas que se casaram 10, e querem casar mais vezes, eu digo 'Case-se, busque essa alegria'. Temos que buscar essa felicidade, sejam as pessoas homo, hétero, mas precisamos buscar. Ninguém é feliz 100%, mas se você não encontra um denominador comum, fica difícil ser feliz ouvindo as notícias que ouvimos atualmente. Eu sou muito feliz com a minha mulher, mas muito mesmo, e isso é fruto do exercício do afeto, do amor e respeito que tenho por ela. Eu não sou um ator em monólogo com a vida, sou um ator em diálogo com a vida, e tenho uma companheira com um amor e um humor corrosivo. O humor da Lidiane é um serrote de preciso e forte, e só nossos íntimos sabem do nosso cotidiano, dos nossos 48 anos de casado.

OF: Tony Ramos é um homem moderno ou conservador?

TR: Eu sou um homem absolutamente do seu tempo. Eu era um jovenzinho nos anos 60, querendo amadurecer nos anos 70, já maduro nos anos 80, maduríssimo nos anos 90, inteiro e pronto para a velhice nos anos 2000, mas sempre atentando para o que é a vida. Nunca criticando de primeira aquilo que eu via. Hoje sou conservador em várias coisas, e não tenho medo de dizer isso. As pessoas entraram numa viagem, como se diz hoje numa 'vibe', eu prefiro a palavra 'vibração', porque nossa língua é muito mais bonita que a língua inglesa, mas as pessoas entraram nisso querendo achar o que é o moderno, e há muito dito moderninho por aí que é conservador em outros aspectos. Sou conservador por não falar palavrão em público por exemplo, mas não deixo de ser autêntico por isso. Temos que tomar certos cuidados pois a TV é uma concessão pública. A minha mãe está assistindo e tem um pensamento, a senhora do apartamento ao lado tem outro, e se não nos atentarmos para isso estaremos violentando com a individualidade de cada um. Os palavrões, conheço todos, e adoro falar, sei cada um cabeludíssimo, mas sei quando e em que lugar falar. Posso ser conservador nesse sentido, na minha relação de afeto com minha esposa também por não nos expor, mas sou absolutamente moderno, franco, livre, e com carinho com os novos avanços da transgenia, relações humanas que o homossexual tem e precisa se afirmar. Quantos homossexuais existiam na década, de 50, 40 e eram sofridos, espoliados e muitos morriam infelizes por não se assumirem? Se é para falar dessa modernidade, estou muito identificado com ela. Não sou de me exibir de beijos e abraços em lugares público, posso dar uma bitoca na minha mulher, mas não beijos cinematográficos no meio da rua, e isso serve para qualquer gênero sexual. Somos índios, somos tribais, e tribo temos que entender e respeitar cada um. Na sua privacidade é diferente, mas publicamente não temos obrigação de ter a chamada 'melancólica' autenticidade."

  
OF: O que não sabemos sobre você?

TR: Conheço todos os palavrões e sei uns cabeludéssimos. Mas sei onde falar. Sou conservador com minha vida privada, mas sou muito moderno diante das situações atuais, estou habituado com elas. Não sou de ficar de beijos e abraços em lugares públicos com crianças passando e pessoas que possam estranhar. É isso se aplica a qualquer pessoa. Nós somos tribais e tribo, casa um tem a sua. Em público você não precisa ser melancólico. Ah, e já pensei em morar fora, mas a sério, por longo tempo, nunca.

---