A pressão física e mental que consome os artistas do K-pop

Por - 18/04/21 às 05:00

Reprodução/Instagram

Popular no na Coreia do Sul e países vizinhos, o K-pop começou a conquistar o Ocidente, em massa, há cerca de três anos, com o estouro do grupo masculino BTS. Depois dele foi a vez do BLACKPINK, na atualidade, se concretizar com o grupo feminino a quebrar as barreiras internacionais, fazendo show no conceituado Coachella, em 2019.

Ajudando a difundir a cultura coreana e asiática, a música pop do outro lado do mundo possuiu várias influências do pop norte-americano, R&B, rock, jazz. A diferença do idioma passa a ser um mero detalhe quando você se joga nesse mundo.

A perfeição dos videoclipes, de cada movimento bem executado nas danças, das roupas e dos cabelos saltam aos olhos. Dentro de uma sociedade que constantamente é atacada positivamente por movimentos que prezam pelo realismo, pela naturalidade apagada pelas redes sociais acaba experimentando um sonho de mundo perfeito quando se depara com as produções dos artistas da indústria musical sul-coreana, focada na exportaçãos de grupos que parecem ter saído dos sonhos mais bem desenhados.

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Contudo, por trás do frescor juvenil que o K-pop exala, ele é também acompanhado por problemas em relação a como essa indústria funciona.

Não é novidade que do lado de cá existam exemplos dos danos que a fama e a exposição pode ocasionar. O mais conhecido, que ronda os papos de adolescentes a jovem adultos, é o de Demi Lovato. Em 2018, ela teve uma recaída na luta contra as drogas e a bebida, tendo uma overdose que quase culminou em sua morte. Dois anos depois, recuperada novamente, a americana lançou o disco "Dancing With The Devil… The Art Of Starting Over" e uma "docusérie" de mesmo nome relatando tais acontecimentos.

Sem fugir desse sistema predadório, os astros coreanos trabalham sob o comando de agências de gestão que coordenam as carreiras e formam as bandas. Ou seja, nada é natural. Os jovens que gostam de música e querem trabalhar com isso acabam investindo em audições nessas empresas para ter a chance de carreiras bombadas.

Tudo isso é feito a nível profissional, com treinamentos rigorosos para os potenciais artistas desde uma idade muito nova. Durante anos, eles aprendem matérias como música e dança e são preparados para ter um determinado comportamento caso sejam escolhidos. Por exemplo: Rm, do BTS, é responsável pela linhas de rap das música. Lisa, do BLACKPINK, comanda as danças. Claro que eles desenvolvem outras funções, mas essas são as principais detinadas a eles com base nos treinamentos.

Toda essa preparação é supervisionada pelas agências até o momento de formação dos grupos. Ao serem escolhidos, esses jovens se tornam idols (ídolos, em tradução livre) e precisam continuar seguindo uma série de regras que abrangem também suas vidas pessoais.

Por exemplo, há contratos da indústria k-pop que proíbem seus idols de namorar; ter tatuagens aparentes (que não são bem aceitas nas transmissões de TV da Coreia do Sul); seus visuais e peso são rigorosamente controlados com dietas e até seus comportamentos são monitorados, como a aparição em festas, etc. De certa forma, é exigida uma imagem de “perfeição” dos idols e tudo isso em uma idade muito jovem. Se por um lado é positivo ter uma empresa que cuida da sua carreira e te auxilia em vários aspectos do trabalho, por outro é difícil lidar com tantas pressões em uma idade tão jovem.

Há ainda uma preocupação muito grande com o fim do sucesso. Atualmente os contratos dos grupos são assinados por 7 anos, com possibilidade de renovação. No entanto, com novos artistas surgindo todos os anos e uma indústria que preza por figuras mais jovens, é comum que idols na casa dos 30 anos busquem novas carreiras artísticas, o que gera ainda mais preocupação a longo prazo.

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Impactos assustadores

 

Esse modelo de criação de ídolos gera um impacto muito grande na carreira de vários jovens artistas. Enquanto há grupos que ganham fama mundial, como o BTS, um dos maiores exemplos de sucesso do k-pop, outros infelizmente não conseguem lidar com tanta pressão. Nos últimos anos, o aumento de mortes de artistas do k-pop preocupa e traz a discussão sobre a saúde mental dentro desta indústria e se realmente é positivo condicionar pessoas tão jovens a uma vida tão rigorosa. 2019, por exemplo, teve as mortes impactantes de Sulli, do grupo f(X) e Goo Hara, que fez parte do grupo Kara entre 2008 e 2015. Um dos casos mais recentes é o de Yohan, astro do grupo de TST. Embora a causa de sua morte não tenha sido divulgada a pedido da família, o caso preocupa por fazer parte de uma tendência maior. 

Em entrevista ao NY Times, o jornalista e diretor de cinema Lee Hark-joon, responsável por um documentário da banda Nine Muses e autor do livro K-Pop Idols: Popular Culture and the Emergence of the Korean Music Industry, falou sobre como é difícil para os idols ter a perspectiva de uma vida comum: “Desde muito cedo, eles vivem uma vida mecânica, passando por um regime de treinamento espartano. Eles raramente têm a chance de desenvolver uma vida escolar ou relacionamentos sociais normais”.

Embora a indústria do K-pop se destaque por sua rigidez e controle da vida dos idols, isso não é exclusividade do país. Infelizmente, a indústria de entretenimento ocidental muitas vezes também se mostra nociva na vida pessoal de artistas que começam a carreira cedo. Ainda que haja glamour e festas, não é difícil ter exemplos de jovens artistas que se envolvem com drogas ou desenvolvem distúrbios após muitos anos na carreira artística. A maior diferença é que no ocidente costuma haver um “momento de libertação”, quando jovens se desvencilham de suas imagens perfeitas colocadas na adolescência e mostram que mudaram, como aconteceu com Miley Cyrus e Justin Bieber, por exemplo. Porém, em uma cultura tão severa como a oriental, é muito mais difícil conseguir fazer isso.

O K-pop é um fenômeno e não há dúvidas de que o sucesso do gênero está ajudando a divulgar a cultura sul-coreana pelo mundo. Para os fãs, as músicas dançantes acompanhadas de lindas coreografias e MVs (music videos) são muitas vezes um alento em momentos difíceis. O k-pop leva alegria para os fãs. No entanto, ainda que o formato dessa indústria funcione a nível empresarial, é hora de começar a pensar também se ele é o melhor para os artistas e como eles podem sentir um pouco da esperança que transmitem para seu público. 

Afinal, o que são as gerações do K-pop e quantas existem?

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