Dia da Mulher: Elas querem comemorar o respeito

Por - 07/03/22 às 14:30 - Última Atualização: 9 março 2022

Retrato - Luisa Sonza e Linn da QuebradaFoto: Reprodução/ Instagram @luisasonza e @linndaquebrada

Desde o último dia 17 de janeiro, temos visto diariamente na TV Globo a rotina de Lina Pereira. Uma travesti. Uma mulher. E as diversas vezes em que ela foi tratada pelo pronome masculino pelos colegas de confinamento, gerou – além de polêmicas, reclamações e explicações – uma onda de reflexão: o que é ser mulher? O que caracteriza uma mulher, se é que isso é necessário? Basta sentir-se como tal também neste Dia Internacional da Mulher

Leia +: Saiba quem são as mulheres mais admiradas do Brasil

“Pra ser um mulher tem que ter peito pra encarar a vida de frente. E peito, eu tenho muito!”. A frase foi dita por Jojo Todynho para a reportagem de OFuxico. Feminina, acima do peso, negra, com a autoestima em Marte. E com os mesmos conflitos de Lina. Que podem também ser os de Lady Chokey, mulher transexual de 26 anos. Ou de Luisa Sonza, cantora gaúcha, livre, sem amarras, que faz da sensualidade uma de suas armas de empoderamento. Simplesmente, mulheres. E todas precisam ser respeitadas.

TRAVESTI OU MULHER TRANS?

Lina chegou a ser anunciada e citada como a segunda mulher trans a participar do “Big Brother Brasil 22”. Mas ela já contou que reivindica o uso do termo ‘travesti’ – que só existe aqui no Brasil – para tirá-lo da marginalização. Isso porque há uma ideia de que travesti está vinculado a prostituição, roubos. “Estou falando de coisas que já falaram para mim”, já destacou a sister.

Leia +: Linn da Quebrada explica para Pedro Scooby a diferença entre travesti e trans

A comunidade LGBTQIA+ enfatiza que mulher trans é uma identidade feminina que está dentro da binariedade (homem-mulher). Contudo, a pessoa que se declara travesti nem sempre se identifica como mulher, mesmo que se pareça como uma. 

Adotar com orgulho a identidade de travesti por vezes também é considerado um ato político, uma vez que o termo foi bastante estigmatizado e associado à prostituição.

Em uma entrevista concedida em 2021, Linn enfatizou que sua identidade de gênero não se encaixa no padrão binário. “Me sinto livre para não ser nem homem nem mulher. Se aos 30 anos eu venho me perguntando quem sou eu, agora não tenho dúvida: eu sou travesti, tenho peito, tenho pau… É muito chique. Sou binária dentro da minha feminilidade”, disse.

ATO DE RESISTÊNCIA

Para Lady Choquey, comemorar o dia internacional da mulher sendo uma mulher trans é um ato de resistência e empoderamento. Mas com muto otimismo: “Essa data é pra dar um “viva” a toda mulher que existe e resistência a todo tipo de pedra que encontra pelo caminho. É, no meu caso, lutar desde pelo pronome certo até o direito civil e humano, de ser vista como mulher e não como personagem”, diz ela à reportagem de OFuxico.

Leia +: Lady Chockey fica irreconhecível após mudança com chip da beleza

A gamer completa, exaltando que a luta é coletiva: “Aproveito pra abraçar mulheres invisíveis aos olhos da sociedade como aquela que sofre assédio mas não tem voz, que ganha menos por ser mulher mas não voz, cuida da família sozinha mas não tem voz, é negra mas não tem voz, favelada mas não tem voz. Todas nós temos voz sim e podemos gritar juntas num longo e sonoro basta a toda impunidade de uma sociedade que finge ser cega apenas para não nos enxergar”. 

Sou trans, sou mulher e viva o meu dia!”

Rafaela Bellucci, empresária e influenciadora digital trans, faz questão de exaltar a participação de Linn da Quebrada no “BBB22”, destacando a representatividade. “Trans ou cis, estamos sempre no gênero feminino, gostamos de ser tratada assim por mais que muitas pessoas às vezes queiram nos aprisionar e não nos libertar, como acontece por vezes com a Lina no reality”, disse ela à reportagem de OFuxico.

“É importante que, além de comemorar o Dia da Mulher, tenhamos grandes representantes no mundo em governos, presidência de organizações importantes, entre outros. Estava mais do que na hora de sermos representadas em um reality para também protestarmos e deixarmos uma interrogação na sociedade sobre nossos direitos, nossa independência, termos liberdade, mostrar que somos capazes”, afirmou.

ASSUMINDO PRIVILÉGIOS

No ar em “Além da Ilusão”, novela que ocupa a faixa das 18h, na Globo, Alexandre Richter destacou em conversa com a reportagem de OFuxico que se sente privilegiada e chamou a atenção para a violência contra as mulheres.

Não sinto, porque sou privilegiada, mas acompanho e apoio o movimento das mulheres que ainda, nos dias de hoje, precisam lutar para terem seus valores reconhecidos.  Respeito deveria ser regra. Vejo desrespeito às mulheres em tintas carregadas. A violência contra a mulher não diminuiu”.

Alexandra ainda exaltou suas fontes de inspiração: “A mulher de 2022 continua multifacetada e na luta para dar conta de tudo. Minha mãe sempre foi e será minha maior fonte de inspiração.  Mamãe tem 81 anos, completamente lúcida, antenada, alegre e sempre tem palavras de conforto para oferecer. Admiro tantas mulheres. As mulheres da minha família, minhas amigas, minhas fãs, minhas irmãs, as primas. As mulheres da minha família são muito fortes. Isso me inspira”. 

Julinha (Alexandra Richter)
Alexandra Richter caracterizada como Julinha, de ‘Além da Ilusão’ – Foto: Divulgação TV Globo

SEGURAS DE SI

Jojo Todynho e Luisa Sonza têm muito em comum. Além de serem cantoras, as duas enfrentam – dia sim, dia também – o ódio gratuito na web, por serem mulheres livres, que usam o corpo também como ferramenta de empoderamento. 

Leia +: Luisa Sonza destaca importância da luta feminina

A campeã de “A Fazenda 12” é literalmente daquelas “que não está nem aí para o que os outros dizem”. E faz questão de ousar mais a cada dia, reforçando seu orgulho e amor próprio.

Não somos menores, menos, inferiores a ninguém por ser alta, baixa, magra, gorda, ter cor A ou B. Somos o que somos, somos quem somos e que sejamos felizes”, disse. Jojo.

A artista gaúcha, por sua vez, clama por mais sororidade. Além de críticas por conta de seus relacionamentos, a sensualidade da artista que “adora rebolar a raba” também costuma ser colocada em questão. “Algumas mulheres seguem criticando e isso é o que mais dói. São vítimas de nossa sociedade machista e por essa e por outras precisamos mostrar cada vez mais nosso poder e nos mantermos unidas”, diz.

Luísa, que tem na mãe uma de suas maiores inspirações, também se preocupa em ser referência como mulher para a irmã mais nova, Sofia Sonza, de 08 anos: “Apesar da pouca idade dela, tento ajudá-la para que ela se torne uma mulher forte, que sabe o que quer e onde quer chegar”, diz.

VIOLÊNCIA CONTRA TRANSEXXUAIS

Dados contidos no Dossiê Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras, em 2021, foram registrados 140 assassinatos de pessoas trans no Brasil. Deste total, 135 tiveram como vítimas travestis e mulheres transexuais e cinco vitimaram homens trans e pessoas transmasculinas.

Leia +: Saiba quais são as famosas que lutam pelos direitos das mulheres

O número foi menor do que o do ano anterior, quando foram registrados 175 assassinatos de pessoas trans. Mas foi superior ao de 2019, no período pré-pandemia, quando foram contabilizados 124 óbitos. O número de 2021 está acima da média desde 2008, de 123,8 homicídios anuais de pessoas pertencentes a esse segmento.  O estudo foi realizado pela da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) com apoio de universidades como a Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Federal de São Paulo (Unifesp) e Federal de Minas Gerais (UFMG).

O Brasil foi, pelo 13º ano consecutivo, o país onde mais pessoas trans foram assassinadas. Em relação à distribuição geográfica, São Paulo foi o estado com mais homicídios (25), seguido por Bahia (13), Rio de Janeiro (12) e Ceará e Pernambuco (11). Além dos casos no Brasil, foram identificados dois assassinatos de brasileiras trans em outros países, um na França e outro em Portugal.

Dos assassinatos com informações sobre a idade – 100 casos -, 53% tinham entre 18 e 29 anos; 28% entre 30 e 39 anos; 10% entre 40 e 49 anos; 5% entre 13 e 17 anos e 3% entre 50 e 59 anos. Quanto à raça, 81% das vítimas se identificavam como pretas ou pardas, enquanto 19% eram brancas.

Durante o pleito eleitoral de 2018, três transexuais foram assassinadas a facadas por eleitores e apoiadores de Jair Bolsonaro. A eleição do político do PSL gerou uma grande preocupação na comunidade LGBT, já que o atual presidente é conhecido por comentários LGBTfóbicos e machistas.

As mulheres trans são as principais vítimas de crimes bárbaros e possuem expectativa de vida de apenas 35 anos. A média nacional, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de 75,5 anos.

A violência física, contudo, também é estrutural e está presente nas pequenas coisas. Nos olhares preconceituosos, quando impedem que mulheres trans usem o banheiro feminino, quando não respeitam o nome social e as chamam por um nome masculino.

FEMINICÍDIO

Nos anos de 2020 e 2021 houve uma explosão dos casos de violência contra a mulher. O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Em 2020 houve um aumento de 22% da ocorrência desse tipo de crime: entre março e agosto, um feminicídio era cometido a cada nove horas.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, constatou que, devido à pandemia de Covid-19 e ao isolamento social que persistiu em 2021, as mulheres vítimas de violência doméstica foram forçadas a conviver por mais tempo com seus agressores, levando ao aumento da violência doméstica.

Leia +: Renata Banhara é ativista na causa da mulher e luta contra o feminicídio

Já no primeiro semestre de 2021, os assassinatos de mulheres atingiram o maior patamar desde 2017, somando pelo menos quatro por dia.

Dados apontam que nove em cada 10 mulheres consideram que o local que apresenta maior risco de feminicídio é dentro de casa, por um parceiro ou ex-parceiro e que três em cada 10 mulheres adultas já foram ameaçadas de morte por um parceiro ou ex-parceiro. 

Apesar da Lei Maria da Penha ser considerada pela ONU como uma das mais avançadas legislações sobre violência contra a mulher do mundo e um marco na luta pelos direitos das mulheres, ela ainda não é colocado em prática como deveria uma década e meia depois de entrar em vigor.

ENTENDA A LEI MARIA DA PENHA

A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, ela cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal (art. 226, § 8°) e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro (Convenção de Belém do Pará, Pacto de San José da Costa Rica, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher).

Uma alteração na lei, feita em 28 de julho de 2021, diz que causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento, ou que vise a degradar, controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, também é crime.

Vale lembrar que o ator Dado Dolabella, foi condenado em 2010 pela Lei Maria da Penha por agredir em 2008, em uma boate no Rio a atriz Luana Piovani. Na época ela era namorada dele e Pepita Rodrigues, mãe do artista, disse que o filho estava sendo injustiçado. Ele também bateu numa camareira dela. 

Em fevereiro de 2011, o ator chegou a descumprir a ordem de restrição e a atriz chamou a polícia, quando ele se aproximou dela em uma pizzaria no Rio de Janeiro. Dado foi condenado a pena de dois anos e nove meses em regime aberto por danos morais e acatou a decisão.

Leia +: Luiza Brunet, que foi agredida pelo ex-afirma que ainda sente medo

VOLÊNCIA VIRTUAL CONTRA A MULHER

Um estudo inédito realizado pelo Instituto Avon em 2021 mostra os impactos do mundo online na vida das mulheres brasileiras. É mostrado que o assédio nas interações virtuais é a principal violência (38%) sofrida por mulheres e meninas em esferas digitais, seguido por ameaças de vazamento de imagens íntimas (24%).

Entretanto, o que o estudo aponta é que a violência digital extrapola o ambiente virtual e tem consequências sérias nas vidas das vítimas. 35% das vítimas relatam terem desenvolvido medo de sair de casa e mais de 30% relatam efeitos psicológicos sérios, como adoecimento psíquico, isolamento social e pensamentos suicidas, enquanto 21% excluíram suas contas em redes sociais.

Leia +: Violência que teve destaque na novela ‘Mulheres Apaixonadas’ ainda é atual

Acompanhe abaixo a nossa Live de ofertas do Dia Internacional da Mulher. Para conferir as melhores ofertas, CLIQUE AQUI !

Siga OFuxico no Google News e receba alertas das principais notícias sobre famosos, novelas, séries, entretenimento e mais!

---

É jornalista formada pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em Jornalismo Cultural e Assessoria de Imprensa pela Estácio de Sá. Ela é nosso braço firme no Rio de Janeiro e integra a equipe de OFuxico desde 2003. @flaviacirino