Jared Amarante sobre a obra ‘Ariel’: ‘Corpos trans, pretos e gordos não precisam de validação, mas de respeito’
Por Redação - 08/06/21 às 06:00 - Última Atualização: 1 junho 2022
Cada dia que passa, podemos ver a luta que a comunidade LGBTQIA+ enfrenta ao longo dos anos, mas com a vitória a cada “batalha”, percebemos que muitas barreiras estão sendo quebradas e vencidas, dando visão à causa, buscando combater cada vez mais o julgamento e o preconceito por parte da sociedade.
Um dos meios para que isso aconteça é pela literatura e o escritor Jared Amarante conversou sobre assunto com o OFuxico. Com cinco livros publicados, ele também é o autor de “Ariel – A Travessia de um Príncipe Trans e Quilombola”, seu sexto trabalho, mas o primeiro focado no público infanto-juvenil.
“A literatura é um dos caminhos mais fluidos e lúdicos para sensibilizar, ensinar, educar e, principalmente, mudar mentalidades. Essa obra é muito diferente porque ela tem ilustrações de Nathan H. Borges, que colocou todo seu talento e amor nos desenhos, e isso gera identificação e questionamentos por parte das crianças. Acredito que a ludicidade nos ensina com profundidade, basta desejarmos entender a mensagem. Penso, também, que essa obra tem um potencial psicoeducativo, pois é prefaciada e toda comentada pelo psicólogo Wellington Oliveira, especialista em gênero e sexualidade. Além disso, contém várias entrevistas de pessoas trans, o que acaba proporcionando ao leitor um mergulho nessas vivências, e isso quebra preconceitos, rompe barreiras, toca corações, gera empatia. Devemos parar, inclusive, com essa ideia estupida de que não podemos falar sobre orientação sexual, identidades de gênero, ou expressão de gênero porque isso irá influenciar nossos jovens. Muito pelo contrário, ao debater esses assuntos, celebramos a diversidade e ensinamos sobre o corpo”, afirmou.
Amarante revelou que a maior inspiração nesta novidade em sua carreira foram justamente os corpos trans, pretos e gordos, onde tentou compreender seus mundos, anseios, sonhos, desafios e, principalmente, travessias.
“Não tinha como eu me inspirar sem ser assim, porque no meu lugar de homem cis, branco e magro, o que eu poderia falar dessas coletividades se não as escutasse? Ouvi-las foi o laboratório mais lindo e potente que eu poderia ter tido para compor Ariel. Corpos trans, pretos e gordos não estão precisando da validação e nem do amor dos corpos cis, brancos e magros, tudo que exigem e devem receber é o respeito”, refletiu.
Para quem não sabe, o livro foi lançado em uma data bem simbólica, dia 29 de janeiro, escolhido como o Dia da Visibilidade Trans, e Amarante contou que tem colhido bons frutos.
“Foi muito especial e simbólico lançar uma obra assim no mês nacional da visibilidade trans. Tive um sentimento de dever cumprido ao cravar essa data com uma história tão potente. Tenho colhido frutos muito bons com esse lançamento, tanto na repercussão da obra, quanto na maneira como a crítica a recebeu e, principalmente, no olhar do público, que sempre me diz que Ariel é uma produção muito única em nosso país, logo no país que mais ceifa vidas trans. Que essa obra amplifique os diálogos e seja um referencial de luta, acolhimento e conhecimento e resistência!”, disse o escritor.
No entanto, abordando um tema ainda tido como polêmico, Jared Amarante não ficou imune aos ataques e preconceito, mas considera que “o amor venceu”.
“Me lembro que quando anunciei a capa do livro, transfóbicos, racistas e gordofóbicos foram no meu instagram dizer que ‘essa é uma obra desnecessária’, que ‘estávamos doentes’, entre outras coisas que chegaram até mim, mas o amor venceu, que é algo que a obra prega”, contou.
De acordo com o Trans Murder Monitoring (Observatório de Assassinatos Trans), o Brasil ainda ocupávamos, pelo 12° consecutivo, a posição número um como o país que mais mata transexuais no mundo e Jared Amarante ressaltou a importância de se debater os temas da causa LGBTQIA+ cada vez mais para que isso não se repita ano após ano.
“Essa pergunta me traz à mente milhões de questões, todas dolorosas, mas que explicam um pouco o cenário brasileiro quando estamos falando de corpos trans e pretos. E isso tem muito a ver com fatores econômicos, problemas e expulsões familiares, dificuldade e preconceito no mercado de trabalho, entre outros fatores que levam essa população ao desamparo, vulnerabilidade, exclusão e morte”, disse, aproveitando o momento para criticar o governo do presidente Jair Bolsonaro.
“Num país em que se tem Bolsonaro cuspindo ódio e seus companheiros aplaudindo com mais ódio, qual a soma disso? Quem paga essa conta se não os corpos trans? Pretos? Quando temos autoridades que marginalizam e não reconhecem esses corpos, essas vidas, esses sonhos, não vemos evolução social. Outro ponto importante, que nos diferencia de outros países, é que neste Brasil corpos trans, pretos e gordos são carnes baratas, que podem morrer em qualquer esquina. Estamos num país e num governo que tem fome de morte, tem projeto de morte. O Brasil demoniza as vidas trans, por isso tiram tantos ares dos pulmões desse povo. Em outros países não vemos a violência, as falas agressivas, as leis fracas, serem tão normalizadas como aqui. Isso faz uma diferença enorme quando olhamos para o dia a dia dessa população, que não vive… sobrevive”, finalizou.
Elogiada por celebridades e artistas importantes, a obra Ariel – a travessia de um príncipe trans e quilombola, traz a aprovação e comentários de personalidades trans que possuem grande reconhecimento na mídia e amplo discurso social, como Jup do Bairro, cantora e compositora, vencedora do prêmio Multishow 2020; Tarso Brant, ator, que fez o personagem T Brant, na novela ‘A Força do Querer’, de Gloria Perez; Thales Alves, primeiro homem trans, preto e gordo a participar do Masterchef Profissionais; Viviany Beleboni; atriz, modelo e militante; Lisa Gomes, jornalista e repórter.
SERVIÇO
Obra: “Ariel – A Travessia de um Príncipe Trans e Quilombola”
Escritor: Jared Amarante
Prefácio: Psicólogo Wellington Oliveira, especialista em gênero e sexualidade
Ilustrações: Nathan H. Borges
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