E se Giovanna Ewbank não fosse uma mulher branca, seria mimimi?
Por Flavia Cirino - 31/07/22 às 16:30 - Última Atualização: 2 agosto 2022
(Atualizada às 19h39 de 1º de agosto de 2022)
É indiscutível a atitude de Giovanna Ewbank diante do episódio de racismo sofrido pelos filhos dela e de Bruno Gagliasso. A artista, que é branca, deixou a onça de “Pantanal” no chinelo e virou leoa para defender suas crias, que são negras. Repito: atitude indiscutível e irrepreensível. Ao presenciar seu filhos, Titi e Belss, serem ofendidos com palavras racistas, a apresentadora partiu pra cima da mulher, cuspiu nela e rasgou o verbo com dedo em riste.
Mas e se Giovanna fosse uma mulher preta defendendo os seus? Seria ela tacada de “raivosa”? Teria ela o mesmo acolhimento? A discussão em torno do chamado “privilégio branco” existe. Mas vale ressaltar e deixar explícito que aqui o importante é que nenhuma pessoa passe por isso. Principalmente as crianças.
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Privilégio é um direito especial de um grupo sobre a maioria, uma espécie de vantagem que um indivíduo ou grupo pode receber por condições diversas diante do restante da sociedade.
Aqui no Brasil, o racismo estrutura todas as relações e está presente tanto nas relações cotidianas, quanto relações de poder. Pessoas brancas têm maiores salários, melhor acesso à educação e são menos assassinadas.
Desde que mundo é mundo, o privilégio branco existe, naturalizado no nosso cotidiano. E está aí o famigerado termo “mimimi” que não me deixa mentir. Qualquer questionamento/ posicionamento de um preto, é classificado como tal. Mesmo que as pessoas não verbalizem, sabemos muito bem como e quando isso acontece.
“Gostaria de dizer que é necessário você enquanto homem e mulher branca, ter a mesma atitude da Giovanna e do Bruno. E também dar o mesmo apoio para pessoas negras que tem essa atitude, porque numa situação como essa, nós seríamos expulsos do local porque até nisso não temos direito!”, declarou Camilla de Lucas, negra, em suas redes sociais.
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O ex-BBB Rodrigo França, também negro, ressaltou o mesmo: “A Giovanna Ewbank agiu corretamente em relação ao seu impulso. Mas fique registrado que muitas mães negras são taxadas de raivosas e vitimistas fazendo o mesmo. O racismo se estabelece até mesmo na diferença da aceitação das relações de mães negras e brancas. Um abraço à família”, escreveu ele.
O privilégio branco condiciona negros às condições “inferiores/ coadjuvantes/ piores”. Sempre nos coloca em desvantagens sociais, inclusive diante do mito da democracia racial.
Da abolição pra cá são apenas 134 anos. Pouquíssimo tempo pra corrigir as distorções causadas pelos anos a fio de desumanização e exploração no período de escravização brasileira. Por isso a discussão é válida e se faz necessária, para que possamos gritar sim, como Giovanna e possibilitar que mães negras não se privem de fazer o mesmo, sem medo de represálias e julgamentos, com a mesma força.
Nunca é demais lembrar – e para quem não sabe – racismo é crime. Assinada em 5 de janeiro de 1989, pelo então presidente da República, José Sarney, a lei passou a ser conhecida pelo nome de seu autor, o ex-deputado Caó, um soteropolitano advogado e militante do movimento negro.
Racismo é crime inafiançável e imprescritível. A Lei Caó define a punição para “os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Entre esses crimes, estão impedir o acesso de uma pessoa devidamente habilitada a um cargo público ou negar emprego na iniciativa privada, que podem render penas de dois a cinco anos de reclusão.
Também são tipificadas como crimes ações como impedir inscrição de aluno em estabelecimento de ensino, recusar hospedagem em hotel ou similar, recusar atendimento em bares ou restaurantes e até recusar atendimento em barbearias. Atitudes tão impensáveis que parecem ter ficado no século passado, certo? Infelizmente, não. Mas é papo pra outra ocasião.
A desigualdade racial é uma desvantagem em todos os aspectos da vida de uma pessoa negra. E digo com conhecimento de causa. É preciso, necessário e emergencial a mudança desta realidade para que outras Giovannas, de qualquer etnia, não vejam seus filhos passando por essa terrível situação.
DESTAQUE NO FANTÁSTICO
Horas depois da publicação desta matéria de OFuxico, Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso participaram do programa “Fantástico”, da TV Globo, e Ewbank afirmou: “Acho que ela nunca esperava que uma mulher branca fosse combatê-la como eu fui, daquela maneira. Eu sei que eu, como mulher branca, indo lá confrontá-la, a minha fala vai ser validada. Eu não vou sair com a louca, a raivosa, como acontece com tantas outras mães pretas, que são leoas todos os dias, assim como eu fui nesse episódio.”
“Hoje eu sou uma mulher muito consciente dos meus privilégios, eu sou uma mulher que está sempre rodeada de outras mulheres pretas, aprendendo diariamente. Vou fazer jus ao privilégio branco e vou combater de frente. Eu quero que todo mundo saiba, Maju que nós não vamos combater o racismo de maneira leve, a gente vai passar por cima e fazer jus a esse tal privilégio branco”, completou a apresentadora.
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É jornalista formada pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em Jornalismo Cultural e Assessoria de Imprensa pela Estácio de Sá. Ela é nosso braço firme no Rio de Janeiro e integra a equipe de OFuxico desde 2003. @flaviacirino