Caso Boate Kiss: Produções retratam a mesma tragédia e evocam sentimentos

Por - 05/02/23 às 05:00 - Última Atualização: 4 fevereiro 2023

Boate KissBoate Kiss: Documentário e Série evocam sentimentos (Reprodução/Divulgação)

[Este texto aborda temas sensíveis e usa termos em respeito as 242 famílias que perderam filhos, amigos, irmãos, sobrinhos, entre outros entes queridos. Toda a nossa solidariedade a família das vítimas e aos sobreviventes. Você pode acompanhar toda a luta e as novidades do caso pelo Instagram oficial da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria. ]

Uma das cenas mais emblemáticas da série do Globoplay documental do caso Boate Kiss, que completou 10 anos na semana passada, é com a seguinte pergunta: O que você estava fazendo no dia 27 de janeiro de 2013?. Este repórter que os escreve tinha 15 anos, nem sonhava em fazer jornalismo e tenho aquela lembrança de acompanhar todos os dias cenas e mais cenas terríveis que foram incansavelmente mostradas nos noticiários e coberturas. Algumas eu imediatamente tive a sensação de deja vú ao me deparar e falar: “Nossa, eu me lembro”. Fato é que 10 anos após a tragédia em Santa Maria, duas linhas de pensamento foram mostradas na Netflix e no Globoplay, e ambas trazem o mesmo questionamento: E a justiça?

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Pois bem, é o que as 242 família destruídas buscam desde que as vidas de jovens foram ceifadas em um incêndio criminoso. Um dos pais inclusive solicita a todo momento que use o termo correto no julgamento: Assassinato. Outro grande fato que o documentário traz é a frente que a Associação de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, hoje presidido por Gabriel Barros, um dos poucos sobreviventes da tragédia e toda a luta para alcançar uma justiça plena para o caso. Analisamos as diferenças entre as duas linhas.

O DOCUMENTÁRIO

Lançado pelo Globoplay em 27 de Janeiro de 2023 e intitulado “Boate Kiss – A Tragédia de Santa Maria”, o documentário acompanha os pais das vítimas fatais em algumas etapas. Eles são quem narram tudo o que ocorreu com seus filhos junto do jornalista Marcelo Canellas. O início é turbulento e já dá o tom: Ligações desesperadas de socorro, pessoas dizendo: ‘A Kiss está pegando fogo’. O documentário conta com imagens fortes dos familiares que perderam seus filhos, imagens do velório, imagens de reportagens da época.

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Aqui já dá para perceber que o tom será pesado, porque: “ A cidade dos estudantes envelheceu 1000 anos em dias”. Santa Maria é o centro geográfico do Rio Grande Do Sul, uma cidade com 300 mil pessoas e é a quinta maior do estado. Em alguns episódios conhecemos alguns dos problemas da boate: Espuma tóxica de Poliuretano que foi utilizada para revestir o teto da boate; extintores de incêndio sem procedência ou sem substância para combater fogo; Janelas do banheiro que foram lacradas…. Tudo para evitar atrito com moradores e fazendo adaptações fora da lei.

Outro grande problema é que a boate funcionava com alvarás que acusavam regularização, mas, que na investigação foi descoberto que ela nunca abriu um dia totalmente segura aos jovens que estavam indo para aproveitar a noite. Na noite da tragédia a Gurizada Fandangueira foi a banda responsável por usar pirotecnia com um fogo que incendiou a espuma, liberando gás tóxico e fazendo o fogo se alastrar.

Os acusados principais são: Luciano Leão, auxiliar da banda; Marcelo Jesus, produtor e músico e Mauro Hoffman e Elissandro Sphor, o Kiko, sócios da Kiss. Ao longo do julgamento são mostradas cenas deles se defendendo, dizendo principalmente que a culpa do incêndio deveria ser colocada a mais pessoas, como os órgãos públicos. Os sobreviventes: Maike, Delvani; Gabriel; Kelen; Jéssica e Jovani são os nomes que aparecem para contar sobre o acontecido trágico.

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Alguns casos aqui para se destacar: Jovani conseguiu sair e puxou quem estava por perto, e sem saber, naquela noite salvou seu irmão, Delvani. Este ainda é um dos sobreviventes com mais queimaduras corporais e é dito por Fernando Dornelles como um milagre. Kelen conseguiu sair na noite, mas, seu pé acabou ficando preso com a sandália, perdendo a circulação do local e tendo que amputar a perna. O vocalista viu o fogo e não anunciou no microfone, tentou apagar e saiu correndo. Os testemunhos de todos os citados são mostrados durante o julgamento.

Por fim, destaca-se que a luta continua. Todo o julgamento é mostrado, inclusive cenas aonde a defesa se exaltou e ofende a memórias dos jovens e da família. A condenação do julgamento original foi revogada e todos os acusados foram soltos. A família luta até hoje para conseguir um novo julgamento com júri popular, já que o anterior foi anulado e a condenação também. Aqui, entre cenas e mais cenas trágicas e que evocam sentimentos de injustiça, tristeza e revolta, temos o lado real, o lado da luta diária de pais que apenas desejam que a justiça seja feita para todos eles poderem seguir em paz.

A SÉRIE

“Todo o Dia a Mesma Noite” é baseado no livro de mesmo nome da autora Daniela Arbex e encena como aconteceu a tragédia da boate mostrando como aconteceu a noite que destruiu a família. Aqui, usando da liberdade da criação, existem muitos personagens com nomes fictícios, representando casos reais, para demonstrar parte da luta e parte do luto que cada um viveu. De forma mais visual, é mostrado o acidente e como cada família descobriu que seus entes teriam falecidos. Além disto a dramatização ajuda a entender como tantas vidas foram tiradas. Um exemplo é sobre como, sem a sinalização de incêndio, funcionários da casa barraram a saída por um tempo até liberarem, e infelizmente, alguns morrerem intoxicados com a fumaça. Vale também destacar Paola Antonini, atriz que tem uma perna amputada, dá vida a história da jovem Grazi, inspirada em Kelen Ferreira que perdeu a perna no acidente. A jovem faz sua estreia com um papel difícil e cheio de representatividade. O elenco ainda conta com Débora Lamm, Leonardo Medeiros, Bianca Byington, entre outros grandes nomes.

Paola Antonini
Paola Antonini como Grazi em “Todo Dia a Mesma Noite” (Reprodução/Divulgação)

Outro ponto que acerta em cheio no espectador é um detalhe muito específico: Toques de celular. No documentário a gente vê uma cena de um bombeiro, em lágrimas, contando que todos os telefones tocavam no chão, no bolso de cada um. E isso é representado na série, bem como os familiares sendo comunicados. Outro detalhe tocante é um número: 120 chamadas perdidas, outro ponto que a intersecção entre ficção e realidade se cruzam, já que é dito no julgamento que muitos dos aparelhos tinham este número de chamadas perdidas com nomes como Pai, Mãe, Irmão.

Após os dois primeiros episódios, que também mostram as procuras entre hospitais e a quadra onde os familiares reconheciam os corpos, entramos na parte mais burocrática. Ele fica mais focado no processo que quatro pais levaram ao se manifestarem e pedir justiça. Não podemos afirmar o que é verdade absoluta ou mentira absoluta, mas, podemos dizer que em muitos momentos existem artifícios, tais quais a filha do desembargador que é uma ponte moral para o seu pai agir, ou tentar agir, de forma mais sentimental.

A série retrata mais as fragilidades da lei, de como famílias que tinham que lidar com o luto, agora também tinham que lidar com a justiça em cima por protestos e manifestações. Na realidade e na ficção ambos tiveram um “final” mais aliviado: Todos foram absolvidos.

No final, percebemos que as histórias se complementam, as atuações trazem tantos sentimentos que quase não dá para descrever, pois existem cenas emblemáticas e tristes, como o reconhecimento de corpos, a busca e a chegada da notícia mais difícil que um pai e uma mãe pode receber, além de ambos deixaram uma sementinha plantada: E se fosse com alguém que você conhece?. Outra parte que deve ser destacada é que ambas as obras procuram dar apoio e suporte para as famílias, dando visibilidade ao caso para chegar a uma finalização digna de falar: A Justiça foi feita.

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Em formação no Jornalismo pela UMESP. Escreve sobre cultura pop, filmes, games, música, eventos e reality shows. Me encontre por aí nas redes: @eumuriloorocha